domingo, 4 de março de 2018

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sábado, 3 de março de 2018

CHARISSE KENION - UNSPLACH


http://p3.publico.pt/actualidade/educacao/25620/telemoveis-na-sala-de-aula-nim

Telemóveis na sala de aula? – “Nim”
Se há algo que prezo neste mundo, um valor que desde sempre sinto que deve estar acima de qualquer realidade é o direito de agir segundo o seu livre-arbítrio, a liberdade de ser, estar e atuar. Como tal, tudo o que me soe, ainda que remotamente, a uma limitação dessa liberdade assusta-me, incomoda-me e, como tal, é por mim condenado.
Nesse sentido, a informação que me chegou de que em França no próximo ano letivo será proibido usar os telemóveis na escola inquietou-me, de alguma forma. À primeira vista (e assumo que à segunda e à terceira) tudo isto me pareceu muito ditatorial. Que se questione o uso ou não de telemóveis na sala de aula ainda entendo mas…não os poder usar fora da sala de aula? Nos intervalos? Não me parece uma política fácil de aceitar. Refira-se que a proibição está em utilizá-los e não em levá-los para a escola! Também isto me soa de uma forma quase grotesca: “sim o teu telemóvel está ali, à mão de semear, mas não lhe podes tocar, sob pena de infringires a lei!” Não será tudo isso ligeiramente excessivo? De acordo com o Ministro da Educação Nacional, a não proibição de os levar para a escola prende-se com o facto de os mesmos poderem ser necessários para uso pedagógico ou para situações de urgência (essas situações urgentes não poderiam ser resolvidas com um simples telefone fixo?) Quanto ao fim pedagógico…e uma vez que eles são proibidos nos momentos de fruição…não poderemos resolver a situação com tablets ou computadores da própria escola? E qual é a explicação do senhor Ministro da Educação Nacional, Jean-Michel Blanquer, para esta proibição? É tudo uma questão de saúde pública. Sim, convenhamos, todos nós passamos demasiado tempo em frente aos ecrãs (dos telemóveis, dos tablets, dos computadores). Mas…proibir o uso de telemóveis durante todo o tempo que as crianças e jovens passam na escola será uma boa forma de resolver esse problema? Não estarão a criar um “fruto ainda mais desejado por ser tão proibido?”
E em Portugal? Como vivemos nós nas nossas escolas? Por aqui vive-se de acordo com as regras de cada estabelecimento. Não temos, até ao momento, uma lei tão restritiva como a que acima foi referida, ficando nas mãos do diretor e/ ou de um Conselho Pedagógico decidir da possibilidade de usar ou não o telemóvel na escola (Isto, em sala de aula. Não tenho conhecimento de qualquer escola que proíba o uso dos telemóveis nos intervalos ou nas horas de almoço). Temos escolas que criaram caixas, cestos, contentores para se colocar o telemóvel à entrada na sala de aula, não permitindo o seu uso em sala; temos escolas que não se pronunciam sobre os mesmos (exigindo apenas que os aparelhos não toquem no meio das aulas), podendo os alunos mantê-los nos bolsos ou na mochila; e temos escolas que optaram por tirar partido desse pedaço de tecnologia que nos entra pela porta dentro em cada início de aula. E fica a questão no ar: No meio disto tudo, quem está correto? Devem os telemóveis invadir a sala de aula ou deve ser proibido o seu uso? Será que uma lei como a francesa seria bem recebida aqui em Portugal?
Assumo que a minha primeira resposta a todas estas questões seria. Sim, os telemóveis devem entrar na sala de aula, sim devem ser utilizados uma vez que me parece que não aproveitar esta tecnologia levada pelos alunos é um erro. Usar as, ainda denominadas, novas tecnologias, onde se insere o telemóvel, tem, a maior parte das vezes um efeito motivador no processo de ensino-aprendizagem. Sim, temos computadores na maior parte das salas. Sim temos computadores portáteis. Mas quando tempo perdemos a trazer e levar computadores? A maior parte deles já possuem alguns anos de serviço pelo que a rapidez não será algo que os qualifique. Não será mais fácil aproveitar a tecnologia que se encontra no bolso dos alunos e que, a maior parte das vezes é mais evoluída, logo, mais rápida, que os próprios computadores da sala? Usar um telemóvel para investigar, para consultar dicionários online, para realizar questionários, para aceder aos muitos conteúdos disponibilizados online pelos manuais, não poderá ser uma forma mais motivadora de trabalhar na sala de aula? Costumo dizer que “o fruto proibido é o mais apetecido”. Gostaria de acreditar que ao terem acesso ao telemóvel, ao “fruto proibido” se conseguiria incutir nos alunos a ideia de que o telemóvel pode ser uma ferramenta de trabalho e que existe um momento para a diversão e um momento para a aprendizagem.
Contudo, e contrariando, de algum modo o que foi dito até ao momento, o uso de telemóveis em sala de aula não é assim tão fácil de gerir como poderia parecer numa primeira abordagem. O primeiro grande problema prende-se com o facto de, e apesar de ser uma excelente ferramenta de trabalho, o telemóvel não deixar de ser um bem pessoal do aluno. Pelo que será sempre possível o aluno receber mensagens, ou até chamadas, que o irão distrair e à própria turma. Outro grande problema será a facilidade com que a atenção do aluno pode ser quebrada. A curiosidade em consultar as redes sociais é sempre enorme e ainda que o acesso a certas páginas possa ser bloqueado, a possibilidade de utilizar os próprios dados móveis torna essa restrição desnecessária.
Por fim, o maior problema, e mais difícil de contornar, prende-se com a própria cultura e forma de estar dos alunos. Cada vez são mais comuns os casos de telemóveis, e sobretudo das suas câmaras, utilizados de forma indevida na escola ou em sala de aula. Fotografias ou vídeos de colegas em momentos embaraçosos são publicadas nas redes sociais. Ainda que totalmente proibido começa a tornar-se um tanto ou quanto banal vermos filmagens/ fotografias realizadas em sala de aula, publicadas indevidamente. E sim, é sempre possível isso acontecer. O professor não está em todo o lado, não tem um par de olhos para cada aluno dos trinta que compõem muitas vezes as salas. Basta o professor virar as costas aos alunos para escrever no quadro para se dar a possibilidade de, discretamente, se realizar uma filmagem ou uma fotografia.  E esse é o problema que me faz responder à pergunta “Telemóveis na sala de aula: sim ou não?” com um pouco decidido “Nim”. Não aprecio proibições às liberdades pessoais. Não imagino uma escola onde os telemóveis não possam ser consultados nem no intervalo. Aprecio a ideia de usar o telemóvel como uma ferramenta útil de trabalho. Mas sou de opinião que precisamos de trabalhar em muito o estar e a cultura dos nossos alunos para que os telemóveis possam ser usados numa sala de aula de forma conveniente, retirando deles todos os proveitos que podem ser retirados.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018


Se bem se lembram, tinha criado um desafio a mim própria. Escrever um conto partindo dos versos de uma canção. O conto partiria desses versos procurando contar uma história diferente da mensagem veiculada pela letra da canção inicial. Este é o segundo resultado desse desafio.
Os versos, desta feita, foram retirados do "Espaço Impossível" de Tiago Bettencourt e Mantha, aceitando a proposta do Raul Tomé!
A foto é da autoria do David Costa. Podem visitar o trabalho dele em: http://olhares.sapo.pt/DavidMOCosta/ ou em https://www.instagram.com/david_mo_costa/

Enjoy!




“…queres o espaço impossível, queres arder o que apagou,
queres a escolha que passou.
Mas tudo é o que tem que ser, tudo flui ou te faz crescer…”
Tiago Bettencourt e Mantha.: O Espaço Impossível

Reencontros…
Henrique abriu os olhos devagarinho, espreguiçou-se com gosto e voltou a fechar os olhos, aproveitando o aconchego da cama quente, ouvindo lá fora a chuva a cair. Pensou de si e para si que era ótimo ser domingo e poder aproveitar este momento de calmaria, sem ter a urgência de levantar logo e iniciar as rotinas diárias antes de ir trabalhar. Contudo, ainda de olhos fechados, sentiu que o seu cérebro entorpecido pelo sono ia começando lentamente a trabalhar e deu por si a repensar esta ideia de que era domingo…seria mesmo? A dúvida tinha surgido…pegou no telemóvel…e com um sobressalto percebeu várias coisas ao mesmo tempo: não era domingo mas sim segunda-feira, ele não tinha tempo para estar ali a espreguiçar-se, pelo contrário estava muitíssimo atrasado e, para piorar tudo, estava um dia de chuva o que atrasava sempre o trânsito. Levantou-se num ápice enquanto pensava que não poderia haver pior forma de acordar e pior forma de começar a semana. Com toda a velocidade que lhe permitia o corpo, levantou-se, tomou banho, vestiu-se o mais depressa que pôde, lançou-se para a rua a correr, tentando proteger-se tanto quanto possível da chuva, enquanto tentava abrir o carro o mais depressa possível. Ok…já estava seguro dentro do carro…agora é só esperar que o trânsito não estivesse tão caótico como era de esperar num dia de chuva torrencial… E…o impensável aconteceu: Henrique pôs a chave na ignição, tentou ligar o carro e…nada…apenas um tenebroso click quando dava à chave! Não podia ser! Segunda-feira, dia de chuva torrencial, atrasado em virtude de não ter ouvido o despertador e ter adormecido e com o carro avariado? O que mais lhe poderia acontecer? Tentando não ceder à raiva e ao sentimento de impotência, chamou um táxi que o levasse, o quanto antes à estação de comboio para, finalmente, chegar ao seu local de trabalho. Eventualmente seria esse o melhor meio de transporte para chegar ao seu destino… Com sorte, não teria mais que uma hora de atraso…tentaria compensar na hora de almoço. Não seria fácil livrar-se de uma boa reprimenda. A famosa pontualidade britânica era, efetivamente, uma característica destes ingleses. Um ano e meio depois de viver em Londres e ainda não conseguia ser tão pontual quanto eles eram…
 Quarenta e cinco minutos depois, Henrique conseguia entrar numa carruagem já bem carregada de gente de ar cansado (alguns), carrancudos (outros), aborrecidos (quase todos) e, finalmente sentindo que podia descansar por pelo menos uma hora – o tempo que a viagem costuma levar – procurou lugar onde se sentar. Avistou um lugar vago junto a uma senhora que olhava pela janela, observando, provavelmente, as movimentações dos passageiros no cais de embarque. Depois de um “excuse me” sentou-se…e no momento em que a senhora se virou para lhe fazer um pequeno sorriso indicando que estava à vontade para se sentar, uma vez que o lugar estava vago, o mundo de Henrique parou. Algo estava completamente errado naquela imagem ou ele estava a ter alucinações! Poderia ser…não, não podia ser…mas parecia mesmo a Cláudia. O ar de espanto dela indicou-lhe que ele não estava enganado. Não parecia a Cláudia! Era, efetivamente, a Cláudia! Mas como…ali? Num comboio? A caminho de Londres? As perguntas bailavam-lhe na cabeça mas não lhe chegavam à boca. E ele continuava com aquele ar espantado a olhar para ela. Digamos de passagem que a Cláudia também parecia imensamente surpreendida. Até que, finalmente, as perguntas (de ambos) saíram numa torrente! “Tu?”; “Aqui?”; “O que fazes aqui?” Enquanto as perguntas saíam em borbotões, os olhos de ambos sorriam e, naturalmente, os braços se levantaram para os corpos se unirem num abraço apertado. Que reencontro tão inesperado e tão bom! Só depois de se sentirem naquele abraço apertado é que passou pelas mentes de ambos que aquele gesto já não devia ser natural. Há quase dois anos que se tinham separado…e não tinham ficado propriamente amigos. Mas o instinto e a vontade do abraço fora mais rápido que o ressentimento que ainda poderia existir entre eles.
Henrique e Cláudia tinham uma longa história juntos. Conheceram-se ainda no infantário. Nesse tempo eram inseparáveis. Todas as brincadeiras era para se terem em conjunto. Todos os momentos eram os ideais para estarem juntos. Gostavam genuinamente da companhia um do outro, quer fosse na hora da leitura, na hora do almoço, ou nas brincadeiras de rua. Adoravam-se. Existia mesmo nas gavetas dos pais de ambos uma fotografia em que, num abraço apertado, tinham trocado o primeiro beijo, que tinha sido capturado na hora, pela educadora. Um beijo inocente, claro, mas não deixava de ser o primeiro beijo deles. E cresceram assim, indissociáveis, no infantário, passando posteriormente pelo primeiro ciclo. Mantiveram essa forte união durante os quatro anos que levou o primeiro ciclo. Colegas de mesa, quando a professora o permitia, continuavam a ter brincadeiras juntos, apesar de a Cláudia por vezes escolher as brincadeiras das meninas e o Henrique as brincadeiras dos meninos. Ainda assim, encontravam sempre um espacinho durante os seus dias para partilharem os seus segredos, as suas histórias, os seus medos e vontades. Cresceram como os melhores amigos e gostavam genuinamente um do outro.
Quando seguiram para o quinto ano, começou a criar-se uma pequena cisão. Cláudia aparentava ter crescido muito depressa, parecia dar os primeiros passos numa adolescência que tardava a chegar em Henrique. Começou a olhá-lo como uma criança para a qual ela não tinha paciência. E assim, paulatinamente, foram criando novas amizades, cada um para seu lado, raramente conversando um com o outro. O início do sétimo ano ditou a mudança de escola para ambos e deixaram de ser ver definitivamente.
Reencontraram-se no décimo ano. Ambos tinham mudado bastante, como seria de esperar. Do Henrique que Cláudia conhecia, só lhe reconhecia a cor do cabelo, um castanho quase negro e os olhos, cor de mel, sempre risonhos. De resto…o menino deixara espaço ao homem, de voz rouca, com barba a despontar. Estava bem mais alto, quase demasiado alto…nem parecia caber na sua própria pele. Mantinha-se bonito, pensou ela. Quanto a Cláudia, Henrique considerou que mantinha a mesma cara de menina de nariz arrebitado. O mesmo cabelo indomável, a boca sempre entreaberta num sorriso. Já o corpo…o corpo apresentava as formas de uma mulher…de uma bela mulher, pensou. Desse reencontro ao namoro, propriamente dito, decorreram pouco mais do que alguns dias. Passaram a ser um dos parzinhos românticos do liceu. Todos os conheciam. Nos intervalos, onde estava um, estava o outro. Descobriram o amor físico um com o outro. Pode-se dizer que se amavam de verdade. Eram um casal modelo e todos acreditavam que, terminado o décimo segundo ano, a escolha natural seria continuarem juntos, viver juntos ou até, quem sabe, casar. Foram três anos maravilhosos. Cláudia sentia que tinham sido feitos um para o outro. Pensava num futuro a dois com Henrique ainda que soubesse que cada um tinha projetos muito diferentes. Sempre que a preocupação com o futuro surgia pensava nas palavras de uma cigana que se tinha cruzado com eles na rua. A cigana olhara para eles, tinha-os abençoado e, focando o olhar nos olhos de Cláudia dissera: “se duas pessoas estão destinadas a serem uma da outra, o Universo irá sempre encontrar uma forma de os juntar. Elas nada são uma sem a outra, porque uma completa a outra. Alguns laços são inquebráveis. Podem ficar mais soltos, através do tempo, através do espaço, por caminhos que não podem ser previstos…mas a Natureza arranjará sempre uma forma de os estreitar, reunindo aqueles que estão destinados a estar juntos…”. Henrique, mais pragmático, riu dessa profecia da cigana. Sabia de antemão que ela diria isso a todos os casais que se cruzavam com ela. Já Cláudia ficou bastante impressionada com as palavras da velha cigana que lhe pareciam tão cheias de verdade e de certezas. E sempre que se sentia mais insegura na sua relação, relembrava as palavras da velha cigana.
 A separação deu-se, de um modo, diria, quase sereno. Terminado o décimo segundo ano, e apesar de gostarem muito um do outro, perceberam que tinham objetivos diferentes. Cláudia queria seguir para a universidade. Toda a vida se tinha preparado para esse momento. Era uma mulher das letras. Queria ser jornalista. Como tal, a faculdade e um curso de comunicação eram o seu caminho mais óbvio. Já Henrique…ainda não sabia bem o que queria seguir. Trabalhar na publicidade seria interessante…mas também no desporto…quem sabe, na gestão. A verdade é que Henrique não sabia bem o que queria da vida. E por isso decidiu que queria usufruir daquilo que vulgarmente se chama de gap year. Pretendia ter um ano só para ele para poder viajar e conhecer a Europa, de mochila às costas. Não há dúvidas que ele era bem mais aventureiro que Cláudia… E assim, os caminhos de ambos se separaram. Convenhamos, quais eram as possibilidades de um namoro de liceu se manter ao longo dos tempos? Um ano depois Henrique voltou e ingressou numa faculdade, num curso de Marketing e Publicidade. Durante o ano em que esteve ausente foram conversando sobre os países que ele visitava e sobre as aventuras de Cláudia enquanto caloira. Contudo, a paixão foi esmorecendo aos poucos e cada um acabou por fazer o seu curso e seguir a sua vida mantendo apenas uma doce lembrança daquela relação.
Reencontraram-se numas férias, tendo ambos regressado à pequena vila que os vira nascer, para uns dias de descanso: ela, vinda de uma redação de jornal do Porto, e ele, de uma agência de publicidade, em Lisboa. E, por mais que cada um tivesse tido outras relações ao longo daqueles anos, e apesar de ambos se aproximarem da trintena, a verdade é que nunca se tinham sentido completos com outra pessoa. Ambos sentiam que a separação tinha criado um vazio que dificilmente poderia ser preenchido. Decidiram tomar um café para pôr a conversa em dia…e conversaram; e tomaram banhos na velha ribeira que os tinha acolhido desde crianças; e viram o nascer e o por do sol junto às velhas casas que tinham sido dos seus avós; e partilharam almoços, e jantares e até pequenos-almoços. Reencontraram-se em todas as aceções da palavra. E o amor que sempre os uniu voltou a adquirir força no peito de um e outro. Um amor que eles sentiam mais maduro. Cláudia continuava a pensar nas palavras da velha cigana “se duas pessoas estão destinadas a serem uma da outra, o Universo irá sempre encontrar uma forma de os juntar…” e cada vez acreditava mais que eram verdadeiras. Terminados os dias de férias continuaram a ver-se e, com a naturalidade inerente às almas que se amam verdadeiramente, decidiram partilhar a vida um do outro. Nos primeiros tempos, ainda que um estivesse em Lisboa e outro no Porto, estavam juntos sempre que a vida o permitia. E foram felizes. Muito felizes durante dois anos. Ou pelo menos Cláudia assim pensava. Henrique conseguira transferência da empresa para a qual trabalhava para uma sucursal no Porto, partilhavam o pequeno apartamento de Cláudia com o gato Nicolau, tinham uma vida social razoável e entendiam-se bem. Raramente discutiam, tinham adquirido uma rotina que lhes dava algum aconchego. Sim, Cláudia era feliz nesta sua vida sem grandes sobressaltos. Talvez por isso não tivesse notado que os silêncios de Henrique se iam tornando maiores, que o seu ar ia ficando cada vez mais carregado, o semblante menos feliz. Henrique não apreciava rotinas. Sentia que tinha muito para viver e que se estava a prender a uma situação que lhe estava a cortar as asas. Sentia-se sufocar. Chegava a ter medo de que Cláudia manifestasse vontade de engravidar. Esse seria mesmo o fim da sua liberdade!... Apesar dos seus 30 anos, Henrique sentia que não tinha maturidade suficiente para se manter nessa relação. Queria conhecer muito mais do mundo. Queria trabalhar no estrangeiro!...
Tomou coragem e, num dia em que ele próprio preparou o jantar, desabafou a Cláudia o que lhe ia no coração. Falou do seu jeito de ser livre. Falou da sua falta de maturidade para a relação que tinham naquele momento. Falou no quanto foi feliz no meio de tantos encontros e reencontros. Falou na esperança que um dia se voltassem a encontrar, com o coração mais feliz e a mente mais madura. Falou na vontade de um dia se reencontrar com uma vontade maior de lutar por aquela relação…e falou sobretudo, da sua necessidade de sair dali, daquela casa, daquela relação, daquele trabalho, da sua necessidade de levantar voo. Terminou dizendo que ela era a mulher que ele amava. E, apesar do sofrimento imenso que ela sentia naquele momento, acreditou nele. Cláudia sentiu tanta verdade naquelas palavras que mais não pode fazer senão deixá-lo ir…sem palavras e sem recriminações. De coração partido.
Todo esse passado passou pela mente de Henrique e Cláudia à velocidade da luz enquanto durava aquele abraço. E foi como se se tivessem visto no dia anterior. A vontade de partilhar ideias, sonhos, pensamentos tinha regressado com toda a sua força. Henrique observava o rosto de Cláudia iluminado enquanto lhe contava que tinha decidido partir à aventura. Sempre fora tão ponderada, prudente e cautelosa…cansara-se disso. O primeiro passo para a mudança tinham sido estas férias: uma semana, sozinha, em Londres. Estava há dois dias a visitar a cidade e estava a adorar. E mais uma vez as palavras da cigana lhe acudiram à mente. Quais eram as possibilidades de ela encontrar o Henrique ali, naquele comboio? Ela que nem sabia que ele trabalhava em Inglaterra! Combinaram encontrar-se à noite para jantar, pôr a conversa em dia. Henrique prometeu ser o anfitrião de Cláudia. Como tal, exigiu uns dias de férias em atraso que lhe eram devidos e decidiu viver intensamente esta oportunidade que a vida lhe estava a oferecer. E assim aconteceu. O jantar transformou-se em várias visitas guiadas: visitaram o Palácio de Westminster, o Palácio de Buckingham, passearam por Trafalgar Square, por Hyde Park e, aquando das emoções sentidas no London Eye, lá bem nas alturas, trocaram o beijo em que ambos pensavam desde que se tinham reencontrado naquele comboio. Cláudia tinha decidido viver aquela semana com todas as emoções que ela lhe poderia trazer. Não havia dúvidas que esse reencontro com Henrique tinha tornado as suas férias bem melhores do que ela poderia alguma vez ter pensado. Henrique também não pensava no dia de amanhã. Queria viver aquele momento a 100%. Sem dúvida que se existia uma “mulher da sua vida” essa seria a Cláudia. Tantos rompimentos, tantos afastamentos e, sempre que a via, sentia como que a calmaria no seu coração, como se a alma reencontrasse algo há muito perdido.
Na noite antes do regresso de Cláudia a Portugal o jantar foi servido em casa do Henrique. Fez questão de lhe mostrar que não tinha esquecido a boa gastronomia portuguesa e serviu-lhe um delicioso bacalhau à Gomes de Sá. O jantar foi delicioso e o ambiente estava quente, aconchegante. Cláudia exibia um certo ar de nostalgia, pensando no regresso a Portugal. E Henrique encheu-se de coragem e proferiu apenas uma palavra: “Fica”…
De todas as reações que Henrique poderia esperar, aquela a que assistiu foi a menos esperada. Cláudia esboçou um sorriso triste e disse-lhe: “…queres o espaço impossível, queres arder o que apagou,/queres a escolha que passou./Mas tudo é o que tem que ser, tudo flui ou te faz crescer…”. Nunca pensei, continuou ela, que este versos do “Espaço Impossível” me fizessem tanto sentido quanto hoje…E perante o ar incrédulo dele esclareceu que não havia mais espaço para aquela relação que ele tinha terminado de forma tão abrupta dois anos antes. Não havia mais possibilidade de serem felizes, a vez deles tinha passado… Aquele reencontro tinha sido ótimo, ele seria sempre uma pessoa especial para ela. Era um reencontro que tinha de acontecer para ela ter tempo de se despedir, para pôr um ponto final naquilo que para ela tinham sido umas reticências e para poder continuar a fluir na vida. Henrique ficou sem palavras, em silêncio, com a mágoa no olhar… Cláudia levantou-se, chamou um táxi, e voltou para o seu hotel…com lágrimas nos olhos, é certo, mas em paz…
Voltou para Portugal, para uma vida que lhe pareceu, subitamente sombria, cinzenta, sem alma e sem cor…Tinha voltado sem ânimo. Pensava e repensava a sua vida, o seu presente, o seu passado, o que poderia ser o seu futuro. E mais uma vez, enquanto observava o vazio, lhe vieram as palavras da cigana à mente “se duas pessoas estão destinadas a serem uma da outra, o Universo irá sempre encontrar uma forma de os juntar”. E desta vez Cláudia decidiu tomar o seu destino em mãos. Em dois tempos tinha um bilhete para Londres.

Era domingo. Henrique abriu os olhos devagarinho, espreguiçou-se com gosto e voltou a fechar os olhos, aproveitando o aconchego da cama quente, ouvindo lá fora a chuva a cair. Pensou de si e para si que era ótimo ser domingo e poder aproveitar este momento de calmaria, sem ter a urgência de levantar logo e iniciar as rotinas diárias antes de ir trabalhar. Ouviu bater à porta. “Quem poderia ser?” Levantar-se para abrir a porta não estava nos seus projetos. Mas a insistência era tanta…algum vizinho com problemas? Melhor ir ver mesmo o que se passava. Abriu a porta e… lá estava a Cláudia, à sua porta, com um sorriso tímido no rosto. Abraçaram-se…não foram necessárias mais palavras.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018






















Dia dos Namorados: os “Sim” e os “Não”
E sim, eis que é chegado mais um Dia dos Namorados! Dirão aqueles que estão profundamente apaixonados e enamorados “Que maravilha! Adoro celebrar esta data! É mesmo o dia ideal para celebrar o Amor! Sou uma fã de S. Valentim!” No sentido oposto, encontraremos, as usual, aqueles que odeiam visceralmente o Dia de S. Valentim porque são uns solitários empedernidos, porque estão de coração despedaçado ou apenas porque não apreciam a celebração de dia, explicando, uma grande parte deles, que consideram que o amor deve ser celebrado todos os dias e não apenas no Dia de S. Valentim.
No meio, encontro-me eu. Não odeio de forma alguma este dia, mas também não posso dizer que o adoro. Há aspetos que aprecio e, sinceramente, outros que me conseguem tirar a paciência e quase deixar-me nauseada. Vejamos então quais são os “sim” e os “não” de festejar este dia.
Comecemos pelos “sim”. A parte romântica que há em mim (sim, ela existe) acha bonito esta ideia de celebrar o amor. Gosto da lenda de Santo Valentim que está na base da celebração do dia (a proibição do imperador Cláudio II de realizar casamentos, a fim dos seus homens irem para a guerra sem o pensamento preso na mulher e família, a decisão de S. Valentim de, ainda assim, continuar a realizar os casamentos às escondidas, permitindo deste modo que os jovens apaixonados pudessem viver o seu amor). Assumo que também gosto das atividades que se vão fazendo na maior parte das escolas para celebrar esse dia: desde a celebração da amizade nos mais pequeninos (abordando a importância dos afetos na vida de todos nós), à criação de verdadeiras estações de correios para proceder à distribuição de cartões/ cartas para alguém que se gosta, em segredo ou não, à venda de “Maçãs do amor” (Que irão ajudar os finalistas a angariar uns euros para a sua viagem de final de ano) entre tantas outras atividades que, não só dinamizam a escola, como levam os alunos a pensar, espero eu, sobre a importância de alguns sentimentos. Aprecio também aquilo que é genuíno: o cartão deixado ao/ à namorada reafirmando sentimentos, e todas as pequenas atenções que, por ser um dia especial, se faz questão de ter. Aprecio, acima de tudo, aquelas pessoas que aproveitam este dia para fazer um balanço acerca da importância dos sentimentos existentes. Convenhamos, celebrar o amor, o verdadeiro, é algo de bem bonito! Não ficamos todos comovidos quando vemos uma pessoa de mais idade a celebrar este dia oferecendo um qualquer mimo àquela que ainda é sua amada? Não ficamos comovidos quando os vemos a passear ainda de mão na mão? Resumindo, os “sim” deste dia vão para a parte de mim que acredita que o amor genuíno existe em alguns casais, vão para a importância que este dia pode ter para se “pensar o amor” e pensar os sentimentos bons. Sim, não precisamos de um dia especial para isso mas todos sabemos que o existirem datas especiais nos ajuda a lembrar que temos de o fazer.
E quanto aos “Não”? São alguns, assumo. Começando por todo o folclore que se gera à volta do dia em si. As redes sociais serão inundadas por fotografias de “casais felizes” reafirmando o seu profundo e eterno amor pelo seu par. E fica-nos presente a dúvida: fulano tal queria mesmo demonstrar o seu amor à sua/seu mais que tudo ou existe uma enorme vontade de mostrar a todos o quanto somos felizes? Até este dia nem considerávamos o tal fulano muito romântico…As grandes manifestações de amor deixam-me sempre com um certo gosto de falsidade, quando são feitas de um modo tão exposto e tão público…
O aproveitamento comercial do dia, também me causa alguma urticária. Pespega-se um coração e/ ou um I Love you (o amor em inglês fica sempre mais romântico) em qualquer objeto e espera-se que venda. São imensos os artefactos que inundam as superfícies comerciais com essa decoração, apresentando um gosto duvidoso (falo do meu gosto, é claro) como sejam os enormes peluches, as canecas, as chávenas de café, as pantufas, as camisolas…e tudo o mais que alguém se possa lembrar! Assumo: não acho aquilo muito bonito, falando eufemisticamente, e passaria muito bem sem essa decoração à minha volta!
Outra coisa que me aborrece. A impossibilidade de ir a um restaurante nesse dia. É certo que estarão todos apinhados e, também eles, com muitas flores (na certa, rosas) e corações a ajudar. E penso: será que jantar à luz de velas com mais 40 casais na sala, igualmente apaixonados, será o mais romântico que poderá ser feito nesse “dia do amor”?
E falando em restaurantes, outra coisa que me deixa à beira da náusea: as ementas! Na ânsia de criar uma noite romântica para os apaixonados, aposta-se numa decoração cheia de corações, velas e flores (umas melhor conseguidas que outras) e opta-se por, na maior parte das vezes, servir os mesmos pratos que são habituais na casa mas alterando-lhe os nomes para algo mais “amoroso e fofinho”. As entradas vêm quase sempre instaladas em camas românticas (a maior parte das vezes, alface). A canja passa a “aveludado de aves apaixonadas”, a sopa de abóbora traz “beijinhos de presunto”; o lombinho de porco passou a “miminhos com molho de cogumelos em forno quentinho” (o que raio será o “forno quentinho”?) e até encontrei um “supremo de peixe-galo enamorado” (Note-se que as denominações citadas foram “pescadas” de verdadeiras ementas para este dia). Questiono-me: será que alguém achará romântico todos estes novos nomes? Tenho as minhas dúvidas…No que a mim me diz respeito, apresento o meu veemente NÃO a estas denominações para coisas tão nossas como sejam a canja e um lombinho de porco no forno!
Está aí mais um 14 de fevereiro, mais um Dia de S. Valentim, mais um dia do amor. Para alguns será um dia inesquecível, para outros algo próximo do pesadelo. E para muitos outros será apenas mais um dia que passou a ser altamente marcado pela visão economicista da data e que por isso estão fartos até à náusea das publicidades acerca desta celebração, dos bombardeamentos nas caixas de correio acerca de “promoções a dois” e das ideias para prendas mais ou menos pirosas, que aparecem a toda a hora nas páginas em que navegam.
Não consigo ter uma opinião definitiva sobre esse dia. Há prós e há contras, como vimos…De um modo ou outro…amanhã será 15 de fevereiro…e o S. Valentim já terá terminado!


domingo, 11 de fevereiro de 2018




https://desafio-te.pt/t-907/


Em 2018 vou dizer “amo-te”
Pela primeira vez em muitos anos não escrevi uma lista dos 12 desejos que queria ver realizados em 2018. Assim, e aquando do tocar das 12 badaladas, pedi pouco mais que o habitual, ainda que solicitado de forma menos minuciosa: saúde e felicidade, para mim e para os que preenchem a minha vida. Pela primeira vez não me apeteceu ser muito detalhada em relação ao que queria porque na verdade, e do alto das minhas quatro décadas já vividas, sei é que, de uma forma geral, quero ser feliz! Muito feliz!
 Contudo as minhas quatro décadas passadas foram-me ensinando algo de muito importante: não basta querer. Há que ir à luta e sair para a guerra de peito aberto para atingir essa felicidade. Há que seguir sem medos e, sobretudo, dizer o que queremos sem receios. E foi com o propósito de dizer tudo, sem medos, que iniciei 2018.
Quando adolescente tinha por hábito dizer tudo o que me passava pela cabeça. Como se costuma dizer em bom português: não tinha papas na língua! Contudo, olhando para trás, vejo que esta ideia de que dizia tudo o que queria não era 100% verdadeira. Sempre tive maior facilidade em falar das coisas que via e sentia de forma mais negativa do que propriamente das coisas positivas. Facilmente me insurgia contra aquilo que me soava a injustiça ou a atitudes negativas (contra mim e/ ou contra o mundo). No que às coisas boas e aos sentimentos positivos diz respeito, sempre achei que os meus gestos falavam por mim e, por isso, sempre tive alguma dificuldade em dizer às pessoas “amo-te” e “gosto de ti”. A minha própria família sempre foi mais de gestos grandiosos do que propriamente de palavras. E ainda hoje sou assim. Tenho dificuldade em dizer olhos nos olhos às pessoas que me são tão necessárias quanto o ar que respiro o quanto as amo, o quanto são importantes para mim, o quanto elas são imprescindíveis para o meu equilíbrio e bem-estar. E assumo que isso me traz, por vezes, menos bem-estar e felicidade do que gostaria. Penso sempre que devo essas palavras àqueles que me são caros. E devo-me isso a mim. Ainda que os gestos digam muito, o aconchego das palavras é enorme. Olhar nos olhos de alguém e dizer o quanto ele nos é essencial é deixar a nu um pouco da nossa alma, é baixar toda e qualquer proteção, deixando o peito aberto às balas, ainda que confiando que nenhuma bala virá daquele lado. É expor e entregar um pouco de nós próprios ao outro e esperar que ele faça o melhor uso desse pedaço.

Neste ano que aí vem vou permitir-me dizer “amo-te” e “gosto de ti” aos muitos que me são essenciais. Vou deixar o coração e a alma nus para exprimirem o quanto amam, o quanto querem, o quanto sentem falta, o quanto têm saudade. Porque os que amo merecem e, sobretudo, porque eu mereço essa entrega.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018


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                                                                                         KEVIN HENDERSEN/UNSPLASH




A Geração Floco de Neve

Vivemos numa era em que já nos é impensável viver sem redes sociais. Habituámo-nos, por demais, a apresentar aos outros os pequenos acontecimentos da nossa vida, a repartir as nossas alegrias, a demonstrar os bons e os maus momentos, a partilhar os momentos que consideramos mais interessantes, a ilustrar todo e qualquer momento do nosso dia através de fotografias. É claro que falo de um modo geral e é óbvio que alguns se irão expor bem mais do que outros. A par com essa partilha do nosso dia-a-dia está, de um modo cada vez mais vincado, a partilha de opiniões. Quer seja através de uma página pessoal numa rede social, quer seja através de um blogue ou até mesmo em grupos formados para congregar pessoas que comungam do mesmo interesse, a verdade é que todos nós temos algo para dizer sobre o mundo e os seus grandes e pequenos acontecimentos, todos nós gostamos de apresentar a nossa forma de percecionar este “planeta azul” e os humanos que nele habitam, todos gostamos de tecer comentários sobre a nossa forma de o tentar compreender, todos (ou a maior parte de nós) gostamos de fazer observações mais ou menos atentas sobre as notícias diárias que nos chegam do país e do mundo. E o que à partida poderia ser algo de muito positivo – da partilha de ideias e de opiniões várias só poderia resultar ideias novas, perspetivas diferentes sobre os assuntos em questão – torna-se, muitas vezes como um verdadeiro pesadelo. Assistimos a verdadeiros lutas de gladiadores em que cada um tenta impor a sua verdade, sem aceitar a verdade do outro, até porque, a maior parte das vezes nem se coloca em questão que o outro possa ter qualquer tipo de razão. Penso que esta facilidade que as redes sociais nos ofereceram em poder comunicar tudo e a toda a hora veio por a nu uma característica de muita gente que navega por “estas bandas”: a dificuldade das pessoas em aceitar pontos de vista diferentes.
Curiosamente, cruzou-se aqui há dias comigo um artigo que versava, entre outras coisas, sobre esta dificuldade cada vez maior em aceitar pontos de vista diferentes. Pela leitura do mesmo percebi que, de acordo com vários autores, se tornou habitual classificar aqueles que atingiram a idade adulta na década de 2010 como a “Geração Floco de Neve”. Não quero aqui discorrer sobre este velho hábito de classificar com um nome uma geração como se ela caracterizasse todos os seus elementos. Todos ouvimos falar, ao longo dos anos dos baby boomers, após a Segunda Guerra Mundial, a que se seguiu a Geração X e mais tarde, os Millenials. Efetivamente, algumas características semelhantes poderão ser encontradas nestas gerações, ainda que o hábito de rotular me incomode um pouquinho. Mas a verdade é que a descrição feita sobre esta “Geração Floco de Neve” me fez imenso sentido, tendo alguma facilidade em identificar nessa descrição comportamentos e formas de ser que encontramos diariamente nas redes sociais.
 De acordo com a descrição, estamos perante uma geração formada por pessoas que são extremamente sensíveis a pontos de vista diferentes, pontos de vista que possam desafiar a sua visão do mundo. E não é exatamente isso que encontramos nas redes sociais? Muitos dos comentários que lemos, profundamente ofensivos, mais não são que manifestações de revolta contra a ousadia de alguém que teve a audácia de apresentar um ponto de vista (o seu) que, por acaso, é contrário ao da pessoa que estava a ler. Encontramos nessas pessoas uma certeza que existe apenas uma verdade e que por isso qualquer opinião que coloque a sua verdade em causa estará a atentar contra a ordem das coisas e será, por isso, perigosa.
Que outros traços identificamos nesses representantes da “Geração Floco de Neve” que encontro simultaneamente nos “comentadores das redes sociais”? Diria uma suscetibilidade excessiva, uma sensibilidade à flor da pele que as leva a reagirem de forma agressiva sempre que as suas convicções são postas em causa. Esta agressividade, tão presente nas redes sociais, será resultado, como disse de uma dificuldade em aceitar o outro e as suas opiniões, de uma postura de inflexibilidade perante a diferença, de uma fraca tolerância à frustração (provocada pela emissão de opiniões diferentes à sua) e de uma débil resiliência, uma vez que não apresenta capacidade de superar as pequenas contrariedades (opiniões diferentes) sem o fazer de forma hostil e belicosa. São pessoas que criaram “espaços seguros” onde nada é posto em causa, onde existe uma ordem das coisas e é essa ordem que deve ser seguida e nunca questionada.

Como referi anteriormente, é perigoso e desadequado rotular toda uma geração. Há que sublinhar, também, que a definição de “Geração Floco de Neve” vai muito para além das características que aqui referi, não sendo o objetivo desta crónica caracterizar a geração assim denominada. O termo foi usado uma vez que me foi impossível ler sobre esta “Geração Floco de Neve” e não identificar peculiaridades e comportamentos (associados a esta geração) numa grande fatia dos seres que pululam por estas redes sociais. A saber, seres que comentam notícias, crónicas, pontos de vista de um modo agressivo, inflexível, demonstrando a sua rigidez para com os outros, a sua manifesta dificuldade em perceber que não há uma verdade mas muitas verdades e o desconhecimento de que para observar bem o mundo temos de fazê-lo olhando para tudo o que nos rodeia e não apenas e só em frente. 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Lancei a mim mesma um novo desafio. O de escrever, uma vez por mês (pelo menos) um conto partindo dos versos de uma canção. O conto partirá desses versos procurando contar uma história diferente da mensagem veiculada pela letra da canção inicial. Este é o primeiro resultado desse desafio.
Se quiserem propor uma letra (desde que estejamos perante boa música ou perante um bom poema), estejam à vontade. E agora, fiquem com:  "Romeu, o Gato".
Enjoy!

As fotos pertencem, mais uma vez ao David Costa. Podem visitar o trabalho dele em: http://olhares.sapo.pt/DavidMOCosta/  ou em https://www.instagram.com/david_mo_costa/





“Romeu, o gato”

“…o olhar triste e cansado procurando alguém
e a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém,
sabes eu acho que todos fogem de ti para não ver,
a imagem da solidão, que irão viver,
quando forem como tu…” – (Excerto de “Velho” de Mafalda Veiga)


Poderia dizer-vos que o Romeu nasceu numa caixinha especialmente preparada para o seu nascimento e o dos seus irmãos, num ambiente quente e aconchegado, rodeado do carinho e mimo proporcionado pelas crianças de uma família amante de felinos, onde já se contava uma mãe gata e um pai gato. Poderia dizer-vos que Romeu fora frugalmente alimentado pela mãe gata, que por estar bem nutrida, produzia muito e bom leite para ele e para os manos. Poderia dizer-vos que os primeiros tempos de vida de Romeu, depois de abrir os olhos, foram passados em felizes brincadeiras não só com os irmãos mas também com as crianças da família. Poderia dizer isso tudo e muito mais…mas estaria a faltar-vos à verdade.
A verdade é que Romeu nasceu na rua. A mãe tinha encontrado o ninho para os seus bebés por baixo de um arbusto onde repousavam, para felicidade da mãe e dos filhos, algumas folhas de um jornal velho e abandonado e um saco de Mac Donald’s por ali largado. E não nascera na rua por um mero acaso. A mãe era uma gata de rua. Aparecera por aqueles lados com o seu ar escanzelado e por ali tinha ficado. Do pai nada se sabia. Provavelmente também seria um qualquer gatão de rua que tinha abandonado a mãe depois de a ter engravidado (o sentimento amor é pouco conhecido entre os felinos…). E foi assim que, Romeu e mais dois irmãos nasceram, sobre um saco de papel do Mac Donald’s. Os primeiros tempos foram algo confusos: a mãe ia e vinha, parava para os amamentar algum tempo e ia embora outra vez. As horas da alimentação eram uma guerra aberta em que aquele que mais força tinha era aquele que melhor se alimentava. Dada à má alimentação da progenitora, depressa o leite deixou de ser suficiente para os três. E, por isso, depressa os três irmãos começaram a abandonar as brincadeiras entre eles debaixo do arbusto e passaram a percorrer as ruas daquela pequena cidade procurando, acima de tudo, comida.
E por isso, pouco tempo depois de ter nascido, pouco mais de 3 meses após o seu corpinho ter chegado a esse mundo, Romeu seguiu a sua vida…deixou para trás mãe e irmãos e partiu à conquista de um lugar para si no mundo, de preferência um lugar que fosse farto em alimento. Foi assim que, entre um dia passado num lado e outro dia passado noutro, descobriu o bairro do Casal Novo.
O bairro do Casal Novo era um bairro tipicamente português, genuíno. As casas, antigas, muitas decrépitas, mantinham as suas fachadas coloridas que lhe ofereciam um ar de alegria e aportavam uma certa jovialidade. As cores do bairro também eram devidas aos estendais de roupa que, em cada casa, se encontravam. O ambiente era o de uma aldeia em que todos se conheciam e sentiam, de algum modo, a falta uns dos outros. Era um bairro formado por ruas e vielas, onde era fácil perder-se e, para Romeu, este era o sítio ideal para viver, encontrando as pessoas quando pretendia, fugindo delas quando era esse o seu interesse. O centro do bairro era o pequeno largo onde se concentrava um minúsculo jardim, com três ou quatro árvores centenárias, os bancos, onde alguns idosos passavam as suas tardes à sombra das árvores, conversando, ou apenas observando as crianças a brincar no pequeníssimo parque que lá existia, analisando o dia e a vida a passar.
Romeu passou a fazer parte deste quadro. As suas manhãs eram passadas, sobretudo, no passeio, pelas ruelas, conhecendo esta ou aquela gata, nalgumas zaragatas com outros machos que por ali passavam, ou optando por ficar no pátio de algumas pessoas que ele considerava lhe merecerem esta atenção. Por lá comia, dormia, descansava, e depois voltava à sua vida de valdevinos. As tardes eram, preferencialmente, passadas no jardim que existia no largo: na paz das tardes de outono, deitado sobre umas folhas mortas e amarelas, menos presente no inverno (escondido algures para dormir as suas 16 horas de sono dos justos), reaparecendo nos dias de sol da primavera e por ali se mantendo numa qualquer sombra nos dias de verão. Como prezava muito a sua independência, aparecia, quando lhe apetecia, junto ao pequeno jardim e por lá passava a tarde a dormitar juntos dos “velhotes” que aproveitavam umas velhas mesas de cimento para jogar às cartas. Sendo um habitante do bairro, alimentava-se do que lhe era oferecido naqueles pratinhos deixados nas esquinas das ruelas: um resto do arroz com frango do almoço, umas espinhas das sardinhas assadas de sábado à tarde ou até uma côdea de pão ali deixada por uma qualquer alma caridosa. E dias havia que o melhor que podia encontrar era uma qualquer lagartixa caçada sob o sol da primavera…Mas Romeu era feliz nesta sua vida…
Contudo, um dia, quando passeava pelo parque, a sua atenção ficou presa numa figura de um velhote, esquálida, sentado no banco do jardim. O velho pertencia ao bairro. Os vizinhos conheciam-no mas afastavam-se um pouco dele. Desde que ficara viúvo, o senhor Manuel, assim se chamava, tinha-se tornado num velho intratável, casmurro, metido com os seus pensamentos… passava as suas tardes no jardim, ora lendo, ora contemplando o vazio, com o olhar perdido, perdendo-se num passado que já se foi… Ninguém procurava perceber o que se passava por trás daquele olhar triste e solitário. Talvez porque encarar este naufrágio de um ser humano se tornasse difícil ou talvez porque o próprio velho não dava espaço para que isso acontecesse. Falava apenas o necessário e tinha-se tornado uma companhia pouco aprazível. Romeu escolheu-o. Começou por se aproximar dele todas as tardes no banco do jardim. Deitava-se perto dele, não se importando com os silêncios do Sr. Manuel (muito pelo contrário, apreciando-os), limitando-se a ser uma presença viva junto daquele ser que ia definhando em vida. Com o tempo, o senhor Manuel passou a apreciar esta companhia felina, tão serena, tão silenciosa, mas tão presente. Parecia que através do seu olhar ele procurava dizer:
- “sei que estás triste, e em sofrimento. Sei que a ausência da tua mulher te é, ainda hoje, impossível de aceitar. Sei das tuas dores físicas e psicológicas…e estou aqui para te ajudar a partilhar esse fardo contigo”.  
E passou a ser habitual, então ver o senhor Manuel a caminhar, num passo vagaroso, desde a sua casa até ao jardim, e do jardim a sua casa, acompanhado por aquele felino que não tinha sido escolhido mas que o tinha escolhido…
Não serei exagerada ao dizer que Romeu tornou mais doce os últimos tempos de vida do senhor Manuel. A preocupação com aquele pequeno ser vivo dera-lhe um pequeno alento, insuflara-lhe um pouco de vida. E chegou o dia, então, que Romeu sentiu necessidade de se aninhar no colo do senhor Manuel. Ali passou toda a tarde, deitado no colo daquele que nem se mexia…Só mais tarde os vizinhos do bairro perceberam que o senhor Manuel tinha vivido as suas últimas horas, dando o seu último suspiro à sombra daquelas árvores centenárias, tendo por única companhia um gato vadio que o tinha escolhido para com ele viver os seus últimos dias. E penso que não será exagero do narrador dizer que Romeu tornou a partida deste velho, esquecido num banco de jardim, bem menos solitária.
Romeu não abandonou o bairro. Pelo contrário, criou novas amizades. Ao longo dos tempos conheceu e criou amizade com aquela menina que, talvez pelo seu ar frágil e macilento passava muito tempo em casa (sem contar as longas estadias no hospital), com aquele velho casal que tinha filhos e netos lá longe (lá pelas “Alemanhas”) e cuja mulher sofria de problemas cardíacos, com aquele jovem que vivia sozinho, muito magro, com um ar também ele adoentado, os olhos vermelhos e as pupilas dilatadas, com aquela senhora que, sem se saber como nem porquê, cometeria suicídio uns tempos mais tarde… e com tantos outros que padeciam de males terrenos ou males da alma…
Romeu era considerado um habitante daquele bairro. Era apreciado por grande parte dos seus moradores. Cultivava um ar sábio, de um velho filósofo. Possuía aquele ar de quem percebeu todos os segredos do mundo. Mas, acima de tudo, possuía um dom que ninguém tinha entendido até agora. Via para além do olhar humano. Conseguia ver, nos humanos, uma luz, azulada, que os acompanhava quando os seus dias na terra estavam contados…Não que o Romeu percebesse isso. Afinal, ela mais não era que um gato…e de rua! Mas a verdade é que a sua natureza o puxava sempre para passar mais tempo junto daquelas pessoas que possuíam essa estranha luz azul à sua volta, invisível ao olho humano mas tão percetível para o nosso Romeu. Por vezes optava por ficar dias, e até semanas, em casa de algumas pessoas que considerava precisarem da sua companhia. Deixava-se ficar por ali, semeando a sua calma, a sua sabedoria no aproveitar a vida com o melhor que ela tem e nos dá, com aquele seu olhar que dizia “estou aqui para te ajudar a suportar essa dor”. A sua presença companheira e, nalguns casos, o seu calor, quando se esticava no colo das pessoas que o acolhiam temporariamente eram, acima de tudo, reconfortantes, um pequeno casulo de carinho de que as pessoas necessitavam. A todas elas ele ofereceu uma despedida desse mundo terreno em companhia, a todas elas ofereceu um carinho ímpar naquela hora que os fez sentir aconchegados na hora da partida.
Romeu lá continua no bairro. A quem o quiser conhecer bastará passar pelo bairro do Casal Novo. Lá o encontrarão a descansar por baixo da sombra de alguma árvore centenária, a fazer a corte a alguma gata ou no colo de algum ser humano…

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018


Photo by Brooke Lark on Unsplash



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“Cada dia, uma nova oportunidade”
“O homem nasceu para viver e não para se preparar para viver” – Boris Pasternak
Consideramos sempre que o início de um novo ano é o momento ideal para uma nova vida! A passagem do dia 31 para o dia 1 é, habitualmente, a noite de todos os excessos até porque o dia 1 marcará o início de toda uma nova atitude do nosso ser perante a vida! E portanto, ao ritmo das passas e das badaladas, decidimos que iremos fazer uma alimentação mais regrada, iremos voltar ao ginásio e/ ou ao desporto de rua, iremos dormir mais e melhor, iremos passar menos tempo em frente à televisão a ver séries. Iremos ser mais saudáveis! Ponto! E essas são as decisões no que à nossa saúde física diz respeito! Porque também somos meninos para tomarmos decisões para a nossa saúde psíquica: iremos ler mais! Iremos aprender a dizer não com mais convicção! Iremos aprender a ser menos insatisfeitos! Iremos dizer às pessoas que, de facto, as amamos! Iremos iniciar uma nova atividade (aquele curso de italiano que há tanto tempo pensamos frequentar!) Iremos, iremos, iremos…
E depois…e depois o mês de janeiro acontece. O dia um passou, já se passaram alguns dias e estamos praticamente no fim do mês de janeiro. E que temos nós para contar?
Os planos para o novo ano, por essa altura, já foram sendo esquecidos. O Natal e o fim de ano arruinaram as nossas economias portanto não há muito por que sair de casa até porque há que pensar em poupar! Resultado dessa situação monetária, já perdemos mais do que uma tarde e uma noite a ver filmes e séries. O desporto foi iniciado com passos de bebé porque continua um frio tremendo. A alimentação continuou meio desregrada nos primeiros dias (afinal havia tantas sobras do fim de ano!) e, depois de uma tentativa de detox, tão na moda, voltámos aos nossos velhos hábitos: afinal, que mal fará um pouco de pão com manteiga? Afinal, este geladinho do Mac Donald’s vem mesmo a calhar porque até estou meio deprimida…E quanto às outras decisões? Aprender a dizer não revela-se bem mais difícil do que pensávamos. Já falhamos com a nossa palavra ao realizar trabalho que não nos competia. Por isso, as leituras já ficaram para outro dia. Ainda nem pesquizámos sobre o curso de italiano. “Assim como assim” não temos muito dinheiro disponível…Também ainda não tivemos oportunidade de dizer às pessoas que as amamos porque, afinal, estamos num mês tão difícil a nível monetário que nem nos apetece sair nem conviver…e assim, sem darmos conta mas em passos gigantes, os velhos hábitos voltam a instalar-se. E mais uma vez deixámos para trás aquela pessoa que queremos ser em função daquela pessoa que nos habituámos a ser. Só porque é mais fácil. Só porque é rotina. Só porque talvez não sejamos capazes…e deixamo-nos arrastar mais um ano até que em dezembro voltamos a pensar nos planos que traçámos e que falharam e pensamos” desta é que é!”
Há que mudar essa atitude. Não podemos pensar que tudo vai mudar apenas porque o ano passou de 2017 para 2018. A tentativa de mudar tem de ser diária. Cada dia tem de ser pensado como aquilo que ele é: uma dádiva que nos é oferecida todas as manhãs (temos tendência a esquecer isso);cada dia é uma nova oportunidade para tentar fazer diferente; uma nova possibilidade de corrigir o que consideramos estar errado na nossa vida; uma nova oportunidade para lutar para sermos a pessoa que queremos ser e para termos a vida que queremos ter. Cada dia, uma nova oportunidade. Cada dia uma oportunidade para fazer mais e melhor. Cada dia uma oportunidade para viver a 100%! Como dizia Pasternak “O Homem nasceu para viver e não para se preparar para viver”

E quando chegamos ao fim do dia e percebemos que não mudámos nada? Quando percebemos que continuamos na mesma, com as mesmas atitudes, os mesmos vícios? Verificamos que ainda não foi desta que iniciámos aquele novo projeto tão pensado? Não há que entristecer ou desesperar. Sabemos que, como dizia a Scarlett O’Hara de E Tudo o Vento Levou, amanhã é outro dia! E por isso ser-nos-ão oferecidas mais 24 horas para fazer diferente, para lutar por aquilo que é, de facto importante, que é ser feliz! As novas oportunidades chegam todos os dias. Cabe-nos a nós não fecharmos os olhos para a eterna maravilha que é estar vivo e mostrar que somos capazes de Viver com toda a qualidade que tal verbo nos merece.

domingo, 21 de janeiro de 2018


E para hoje a proposta é, novamente, um conto. A fotografia que ilustra o conto é do fotógrafo David Miguel Oliveira Costa. Enjoy

Reencontros

Planearam encontrar-se no parque. Reencontrar-se seria um termo mais adequado. Decorridos 10 anos sem as suas vidas se terem cruzado, decidiram eles próprios forçar o destino. Não poderia dizer que havia dez anos que não sabiam um do outro. Nos tempos que correm isso é quase impossível…
A verdade é que depois da separação decorreram longos meses, que passaram a anos, sem efetivamente saberem um do outro. Por considerarem que seria mais fácil fazer o luto da relação, por considerarem que seria mais simples seguir em frente, por considerarem que, desta forma, poderiam “inventar” com maior facilidade uma nova vida sem a presença daquele outro que por tanto tempo tinha sido o companheiro dos momentos bons e dos menos bons, decidiram não se procurarem. Foram apagados os números de telefone à medida que se procurava apagar a presença daquela pessoa na vida de cada um. Foram arrumadas num canto escuro da memória as lembranças de tempos mais felizes; foram devidamente arquivadas as fotografias que relembravam que aquela pessoa tinha feito parte da vida do outro. Tudo foi feito para que aquele relacionamento passasse a fazer parte de um passado esquecido e dificilmente recordado.
Contudo…o tempo passou e fez o que de melhor ele sabe fazer. Deixou cair uma leve cortina de esquecimento sobre os momentos menos bons, curou as feridas que se passeavam por aqueles corpo e mente e suavizou as cicatrizes que tinham ficado dos momentos menos agradáveis da vida deles a dois. O tempo passou, amenizou tudo o que de negativo existia naquela relação que tinha falhado e deixou armazenado, num espaço próprio, apenas aquilo que é bom de guardar e recordar. E foi precisamente nesse momento que nasceu a curiosidade. Saber que caminhos teriam sido trilhados por cada um, que vida tinha existido na vida de um sem o outro, que bons momentos tinham sido capturados para a eternidade e sim, saber quem seria o ser que partilharia o lugar deixado vago anos antes. Nos tempos que correm, alimentar essa curiosidade é extremamente fácil. E foi assim que, decorridos alguns anos votados ao esquecimento de uma pessoa, a curiosidade levou a melhor e se efetuou o primeiro passo para a reaproximação: Pesquisar as redes sociais, encontrar, como se de um estranho se tratasse, aquela pessoa que fora parte integrante da sua vida. Ambos percorreram esse caminho de investigação pelas redes sociais. Quando as pessoas foram muito próximas fica a sensação que ficam ligadas, para sempre, por um fio invisível que permite, a seu tempo, uma ténue comunicação. E foi esse fio, tão leve como o fio com que a aranha constrói a sua teia que levou a que no momento em que ela cedeu à curiosidade de espreitar a vida dele nas redes sociais, também ele sentiu a mesma vontade de procurar a sua página e de a analisar.
Num primeiro momento a sensação foi de estranheza. Tentar atualizar anos de silêncios não é fácil. Ela percebeu que ele continuava a viver na mesma cidade. Do homem que ela conhecera, não restava muito. O ar travesso dera lugar a um ar mais sério, compenetrado, de quem assume as suas responsabilidades para com a vida. Mantinha a boa forma física, provavelmente fruto da prática da nova febre que perpassava pelo país: o running. Afinal de contas, ele sempre fora um desportista. Pelas fotografias a que tinha acesso lia-se a sua vida: provavelmente um emprego sério, que lhe permitia receber acima da média, férias habitualmente na praia, algumas viagens para fora do país (nada de locais muito exóticos, maioritariamente, Europa), uma família (mulher e filho). Não o conhecesse tão bem e pensaria que se tinha dado bem na vida. Contudo, ela conhecia aqueles olhos e aquele sorriso melhor que os seus próprios olhos e o seu próprio sorriso. E percebia que aquele olhar apresentava uma névoa…algo, no seu caminho, lhe tinha retirado o brilhozinho nos olhos e o sorriso travesso. Aquela imagem que se apresentava era uma visão mais grave e severa do homem que ela conhecera.
E ele, o que via? Via uma mulher que apesar de apresentar um ar mais maduro, algumas rugas que ele não conhecia, se mantinha igual a si própria. Mantinha aquele ar de desafio para com a vida que sempre lhe conhecera, um certo ar de menina admirada com o mundo e com tudo o que a rodeia. Encontrara o amor outra vez…pelo menos as fotografias assim o indicavam, nos últimos 3 anos… Talvez por continuar a parecer tanto com a mulher que ele amara, 10 anos antes, não conseguiu controlar uma pequena pontada daquilo que parecia ser ciúme. Afinal, aquela ainda parecia a miúda dele! E terá sido por isso que ele decidiu lançar um tímido “olá”, aguardando a sua resposta, num misto de receio e esperança. A resposta (um “olá, és mesmo tu?”) só chegou dois dias depois. Dois intermináveis dias em que ela se questionou se deveria ou não responder àquele singelo “olá”. A vontade e a curiosidade levaram a melhor, e ela respondeu. Estranharam-se nos primeiros 5 minutos de conversa. Depois…depois foi como se tivessem aberto as comportas de tudo aquilo que queriam ter dito um ao outro e que calaram por tanto tempo. Perceberam que não se tinham enganado muito quanto às conjeturas que tinham feito sobre a vida de um e outro. Ele casado, a viver a vida que sempre ambicionara para si: pacífica, caseira, sem grandes sonhos mas também sem grandes desgostos. Pai…sempre cultivara essa vontade. “Um miúdo fantástico” –  dizia ele.
E ela? Ela tinha andado meio perdida na vida…como sempre estivera desde que se conhecia por pessoa. Continuou presente, por muitos anos, o receio de se acomodar a uma vida pequeno-burguesa, de viver de rotinas, de estar sempre no mesmo local…até que um dia…há três anos, a profissão a obrigou, finalmente, a ficar efetiva num local. E fazia então três anos que trabalhava no mesmo local…na mesma cidade. Tinha conhecido uma pessoa…e há três anos que estava com ela. Uma pessoa que a entendia, que percebia o seu desejo de independência e liberdade, que a respeitava. Bons companheiros dizia ela…
E as conversas continuaram, recuperando uma ligação que se tinha esbatido mas nunca desaparecido da vida de ambos… Até ao dia em que ele lhe lançou um desafio: “vamos encontrar-nos”. De um modo virtual tinham voltado a fazer parte da vida um do outro. Contavam a sua vida, as suas histórias, partilhavam as preocupações, as vontades, como dois bons velhos companheiros de estrada. Um único tema nunca tinha sido abordado: os dois, enquanto casal. A relação. O porquê de terem falhado, de se terem deixado. O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi que não existia qualquer possibilidade de se encontrarem. Que, apesar desta recente reaproximação, das horas de conversa, da profunda empatia que continuava a sentir, um encontro físico seria algo demasiado arriscado para o seu bem-estar conseguido a duras penas. E no entanto, como se os dedos fossem dominados por uma força maior, deu por sim a escrever: “Quando?”.
Desde que foi tomada a decisão de se verem até ao momento em que se encontraram no parque, poucos dias decorreram. Chegou o dia e o momento. Apesar de todas as conversas, apesar de se conhecerem há tantos anos, ambos sentiam um nervosismo crescente ao se aproximarem um do outro. Observaram-se longamente. Faltavam as palavras num momento em que a intensidade falava mais alto. Apesar de todas as fotografias que tinham observado minuciosamente, sentiam que se observavam, pela primeira vez, em dez anos. Um e outro viam dançar à sua frente as memórias partilhadas, as expectativas goradas, as alegrias vividas, as tristezas suportadas. Num ápice o passado surgiu-lhes com uma nitidez de contornos que fazia pensar que o mesmo tinha acontecido ontem. Abraçaram-se. Um abraço apertado, carregado de lamentos por tudo o que não se tinha vivido e repleto de promessas do que poderia ser vivido ainda. Falaram durante algum tempo de tudo e nada, como sempre tinha sido apanágio da sua relação. Contudo, aos poucos, as conversas foram ficando mais escassas, instalando-se, aos poucos, o silêncio. E esse silêncio manteve-se durante algum tempo. Não que isso os incomodasse. Sempre tinha sido assim: o silêncio não os incomodava. Comunicavam através dele, através do olhar. E o olhar de ambos dizia o mesmo: “e se não tivessem desistido um do outro, naquela época?”; “Em que momento tinham deixado os egos pessoais se sobreporem ao sentimento que sempre os tinha unido?” E foi nesse silêncio, de mãos dadas, que ambos perceberam que seriam toda a vida o “e se?” um do outro. Perceberam que há sentimentos que nunca morrem e que toda a vida eles se sentiriam unidos por um laço invisível que nunca os deixaria sentirem-se totalmente completos, se separados. Mas perceberam também que ambos tinham trilhado um caminho que não lhes permitia retroceder. Ambos tinham construído uma outra vida, que não contemplava esse passado. E, no mesmo momento em que essas certezas se desenhavam nas suas mentes, de um modo que desafiava a lógica, os corpos aproximaram-se como que impelidos por uma força superior. Os corpos esses, não obedeciam à racionalidade das suas mentes. Tocaram-se. Reconheceram o cheiro um do outro, as suas necessidades e vontades. Por breves momentos foi como se nunca se tivessem separado. Aquela era a outra metade do seu ser. Beijaram-se. Um beijo intenso, repleto de uma saudade escondida, de um sentimento poderoso, de uma vontade de ficar embora já contendo nele o prenúncio da partida. Um beijo de reencontro de bocas, línguas, corpos e vontades mas também um beijo de despedida, selando o acordo tácito que ambos tinham firmado com o olhar. Antes de partirem, ela colocou-lhe uma única questão: “És feliz?” Ele lançou-lhe um último olhar, respondendo com alguma lassitude na voz: “tenho junto a mim o que me faz mais feliz: o meu filho”.

Nunca mais se viram. Não voltaram a contactar pelas redes sociais. Ainda assim, até ao último dos seus dias guardaram, num lugar muito recôndito do coração, a certeza que, naquela tarde e por um momento muito breve, se voltaram a encontrar e voltaram a sentir-se completos.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018


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Ainda sobre o caso H&M…
Gosto de pessoas sensíveis! Mais do que gostar, adoro-as. (peço o favo de lerem estas primeiras palavras com um tom irónico) No campo das coisas de que gosto também incluo um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen intitulado “As pessoas sensíveis” (para ler ou reler - já que falamos no tema da sensibilidade). Começa com os magistrais versos:
“As pessoas sensíveis não são capazes/ de matar galinhas/ Porém são capazes/ De comer galinhas…”. É um poema de denúncia àqueles que a autora considera hipócritas. E sempre que me cruzo com sensibilidades extremas e com aquilo que me cheira a hipocrisia, lembro-me deste poema. E, quanto a mim, é precisamente o que aconteceu no “caso H&M”. Nada mais que hipocrisia, sensibilidades apuradas, puritanismos falsos, moralismos fingidos.
Antes de mais, quero deixar bem claro que para mim isto é um “não problema”. Assumo que quando a polémica rebentou não pensei que sentiria a necessidade de escrever sobre o assunto. Para mim estávamos a assistir a mais uma polémica empolada pela força das redes sociais. Analisando a fotografia, a bendita da camisola e o catita que era o modelo pensei que depressa a polémica se extinguiria por existir uma total falta de combustível que a alimentasse. Isto é, pensei que depressa a polémica se iria extinguir uma vez que se iria perceber que nada naquela acusação fazia sentido! Contudo, o tempo veio demonstrar que estava enganada, com vários artistas a cancelar o seu contrato com a H&M, com vários textos/crónicas a serem escritos sobre o assunto (textos que sublinhavam a importância de se debater este flagrante erro da empresa) com várias vozes a levantarem-se e a exigirem o retratamento da empresa, que não tardou a chegar. Levantaram-se as bandeiras antirracistas! Cuidado que temos ali mais uma vez a supremacia do colono branco! Cuidado que estamos perante uma fotografia que trata como macaco uma criança negra! Imensas foram as vozes que se ergueram contra esta “insuportável” imagem, este erro tão hediondo.
Perante isto tudo, e tendo em conta, que eu não vejo nada do que acima foi descrito, senti finalmente a necessidade de escrever sobre o assunto. E a necessidade surge sobretudo de perceber se efetivamente sou eu que sou demasiado insensível a certas questões ou se é o mundo que cada vez escolhe olhar com mais atenção para questiúnculas esquecendo os temas com os quais se devia preocupar de facto!
É claro que é possível fazer a leitura que tantos estão a fazer…é claro que depois de nos chamarem a atenção para a mensagem da fotografia e para o modelo possamos pensar que escolheram a criança negra de propósito para ilustrar aquela frase…Mas acham mesmo que isso faz algum sentido??? Em primeiro lugar, há que pensar na questão da língua. Tanto quanto sei, a expressão “little monkey” é utilizada na língua inglesa da mesma forma que em português usamos expressões como “a minha pulguinha”, “o meu ratito”, “o meu piolho”, “o estorninho” ou a “minha formiga rabiga”. Nenhum destes “animais” é particularmente simpático à visão mas…é óbvio que esta é uma forma carinhosa de se referir aos seus rebentos e não uma forma literal de os caracterizar. Na língua inglesa muitas mais formas haverá. Portanto questiono: houve uma falha assim tão grande ao criar esta camisola? Ou apenas se usou uma expressão (adaptada) da própria língua? Será completamente impensável que ao fotografarem o modelo, a interpretação racista do conjunto camisola/ modelo não tenha existido? Para mim é plausível pensar que tal ideia não aflorou a mente de ninguém.




Se gosto da camisola? Não, não gosto. Mas não me ofende vê-la a ser envergada por uma criança negra ou uma criança branca. O que me parece que aconteceu neste caso foi que se criou uma celeuma à volta de uma situação que, quanto a mim, nunca foi equacionada. O ver comportamentos racistas em todo o lado não será também ele uma forma de racismo? Não será uma dificuldade ainda em lidar com as várias cores que o ser humano tem? Não será uma necessidade de olhar sempre para o lado da diferença?
Este tipo de atitude: interpretar como uma mensagem racista uma simples camisola vestida por um modelo negro, não só não ajuda a combater o preconceito como demonstra que ainda há muito caminho por trilhar. Toda esta atitude mais não é do que, para mim, e como dizem os franceses, “chercher la petite bête” (procurar o pequeno bicho), no sentido em que se perde tempo em pequenos detalhes não se preocupando com as coisas que de facto têm importância. Estas pessoas que tanto se incomodaram com uma “má escolha do modelo para determinada camisola” assobiam para o lado quando ouvem que a mesma camisola foi, provavelmente, feita por alguma pessoa altamente explorada ou, quem sabe, por uma criança em lugares como Índia, Camboja ou Bangladesh. Incomodamo-nos com os nadas do mundo porque as preocupações a sério são demasiado avassaladoras. Elas exigiriam de nós uma reação bem mais forte que a de bradar contra uma má escolha da H&M. Assim, com esta irritação contra a loja e contra todos os que deixaram que esta fotografia chegasse ao grande público, sentimos que cumprimos o nosso dever de bons cidadãos, mostrámos que somos gente que luta contra qualquer indício de racismo. Ajudámos a mudar um pouco o mundo…ainda que fosse num tema insignificante…
Contudo, a verdade é que mais não fizemos do que, mais uma vez, mostrar que bem no fundo continuamos a ser racistas disfarçados de cidadãos conscientes.