Telemóveis na sala de aula? – “Nim”
Se há algo que prezo neste mundo,
um valor que desde sempre sinto que deve estar acima de qualquer realidade é o
direito de agir segundo o seu livre-arbítrio, a liberdade de ser, estar e atuar.
Como tal, tudo o que me soe, ainda que remotamente, a uma limitação dessa
liberdade assusta-me, incomoda-me e, como tal, é por mim condenado.
Nesse sentido, a informação que
me chegou de que em França no próximo ano letivo será proibido usar os
telemóveis na escola inquietou-me, de alguma forma. À primeira vista (e assumo
que à segunda e à terceira) tudo isto me pareceu muito ditatorial. Que se
questione o uso ou não de telemóveis na sala de aula ainda entendo mas…não os
poder usar fora da sala de aula? Nos intervalos? Não me parece uma política
fácil de aceitar. Refira-se que a proibição está em utilizá-los e não em
levá-los para a escola! Também isto me soa de uma forma quase grotesca: “sim o
teu telemóvel está ali, à mão de semear, mas não lhe podes tocar, sob pena de
infringires a lei!” Não será tudo isso ligeiramente excessivo? De acordo com o
Ministro da Educação Nacional, a não proibição de os levar para a escola
prende-se com o facto de os mesmos poderem ser necessários para uso pedagógico
ou para situações de urgência (essas situações urgentes não poderiam ser
resolvidas com um simples telefone fixo?) Quanto ao fim pedagógico…e uma vez
que eles são proibidos nos momentos de fruição…não poderemos resolver a
situação com tablets ou computadores da própria escola? E qual é a explicação
do senhor Ministro da Educação Nacional, Jean-Michel Blanquer, para esta
proibição? É tudo uma questão de saúde pública. Sim, convenhamos, todos nós
passamos demasiado tempo em frente aos ecrãs (dos telemóveis, dos tablets, dos computadores). Mas…proibir
o uso de telemóveis durante todo o tempo que as crianças e jovens passam na
escola será uma boa forma de resolver esse problema? Não estarão a criar um
“fruto ainda mais desejado por ser tão proibido?”
E em Portugal? Como vivemos nós
nas nossas escolas? Por aqui vive-se de acordo com as regras de cada
estabelecimento. Não temos, até ao momento, uma lei tão restritiva como a que
acima foi referida, ficando nas mãos do diretor e/ ou de um Conselho Pedagógico
decidir da possibilidade de usar ou não o telemóvel na escola (Isto, em sala de
aula. Não tenho conhecimento de qualquer escola que proíba o uso dos telemóveis
nos intervalos ou nas horas de almoço). Temos escolas que criaram caixas,
cestos, contentores para se colocar o telemóvel à entrada na sala de aula, não
permitindo o seu uso em sala; temos escolas que não se pronunciam sobre os
mesmos (exigindo apenas que os aparelhos não toquem no meio das aulas), podendo
os alunos mantê-los nos bolsos ou na mochila; e temos escolas que optaram por
tirar partido desse pedaço de tecnologia que nos entra pela porta dentro em
cada início de aula. E fica a questão no ar: No meio disto tudo, quem está
correto? Devem os telemóveis invadir a sala de aula ou deve ser proibido o seu
uso? Será que uma lei como a francesa seria bem recebida aqui em Portugal?
Assumo que a minha primeira
resposta a todas estas questões seria. Sim, os telemóveis devem entrar na sala
de aula, sim devem ser utilizados uma vez que me parece que não aproveitar esta
tecnologia levada pelos alunos é um erro. Usar as, ainda denominadas, novas
tecnologias, onde se insere o telemóvel, tem, a maior parte das vezes um efeito
motivador no processo de ensino-aprendizagem. Sim, temos computadores na maior
parte das salas. Sim temos computadores portáteis. Mas quando tempo perdemos a
trazer e levar computadores? A maior parte deles já possuem alguns anos de
serviço pelo que a rapidez não será algo que os qualifique. Não será mais fácil
aproveitar a tecnologia que se encontra no bolso dos alunos e que, a maior
parte das vezes é mais evoluída, logo, mais rápida, que os próprios
computadores da sala? Usar um telemóvel para investigar, para consultar
dicionários online, para realizar
questionários, para aceder aos muitos conteúdos disponibilizados online pelos manuais, não poderá ser uma
forma mais motivadora de trabalhar na sala de aula? Costumo dizer que “o fruto
proibido é o mais apetecido”. Gostaria de acreditar que ao terem acesso ao
telemóvel, ao “fruto proibido” se conseguiria incutir nos alunos a ideia de que
o telemóvel pode ser uma ferramenta de trabalho e que existe um momento para a
diversão e um momento para a aprendizagem.
Contudo, e contrariando, de algum
modo o que foi dito até ao momento, o uso de telemóveis em sala de aula não é
assim tão fácil de gerir como poderia parecer numa primeira abordagem. O
primeiro grande problema prende-se com o facto de, e apesar de ser uma
excelente ferramenta de trabalho, o telemóvel não deixar de ser um bem pessoal
do aluno. Pelo que será sempre possível o aluno receber mensagens, ou até
chamadas, que o irão distrair e à própria turma. Outro grande problema será a
facilidade com que a atenção do aluno pode ser quebrada. A curiosidade em
consultar as redes sociais é sempre enorme e ainda que o acesso a certas
páginas possa ser bloqueado, a possibilidade de utilizar os próprios dados
móveis torna essa restrição desnecessária.
Por fim, o maior problema, e mais
difícil de contornar, prende-se com a própria cultura e forma de estar dos
alunos. Cada vez são mais comuns os casos de telemóveis, e sobretudo das suas
câmaras, utilizados de forma indevida na escola ou em sala de aula. Fotografias
ou vídeos de colegas em momentos embaraçosos são publicadas nas redes sociais.
Ainda que totalmente proibido começa a tornar-se um tanto ou quanto banal vermos
filmagens/ fotografias realizadas em sala de aula, publicadas indevidamente. E
sim, é sempre possível isso acontecer. O professor não está em todo o lado, não
tem um par de olhos para cada aluno dos trinta que compõem muitas vezes as
salas. Basta o professor virar as costas aos alunos para escrever no quadro
para se dar a possibilidade de, discretamente, se realizar uma filmagem ou uma
fotografia. E esse é o problema que me
faz responder à pergunta “Telemóveis na sala de aula: sim ou não?” com um pouco
decidido “Nim”. Não aprecio proibições às liberdades pessoais. Não imagino uma
escola onde os telemóveis não possam ser consultados nem no intervalo. Aprecio
a ideia de usar o telemóvel como uma ferramenta útil de trabalho. Mas sou de
opinião que precisamos de trabalhar em muito o estar e a cultura dos nossos
alunos para que os telemóveis possam ser usados numa sala de aula de forma
conveniente, retirando deles todos os proveitos que podem ser retirados.