Publicado em: http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24222/avos-os-de-ontem-e-os-de-hoje
Avós: os de ontem e os
de hoje
Ontem, dia 26 de julho, foi Dia
dos Avós. De ano para ano sinto que esta data se torna mais importante e mais
pessoas a comemoram. Sentir-se-á aqui a influência, mais uma vez das redes
sociais. De facto, Facebook e companhia começam por nos recordar que este é o
Dia dos Avós. Em seguida, assistimos, nas redes em questão, a uma verdadeira
enxurrada de mensagens de amor e saudade aos avós, notando-se que muitos já
faleceram, e mensagens de reconhecimento pelo papel que tiveram nas vidas de
quem escreve.
É um facto que hoje em dia existe
uma data comemorativa para tudo e mais alguma coisa. E de facto há comemorações
que são ligeiramente absurdas. Para não referir que existem comemorações que se
repetem ao longo do ano levando a que se relembre e comemore a mesma coisa
várias vezes no mesmo ano. Por exemplo, no Brasil e em mais alguns países, o
Dia do Amigo comemora-se no dia 20 de julho. Como é o país irmão, em Portugal
decidimos que até é giro dar um olá aos amigos nesse dia, em jeito de
comemoração. Contudo, as Nações Unidas resolveram convidar todos os países para
celebrar esse dia a 30 de julho. E nós celebramos mais uma vez a amizade, com
um brinde nesse dia especial. Nada contra, até porque o povo português adora
ter uma razão para comemorar. Mas a verdade é que se caiu num excesso. Todos os
dias são dias de alguma coisa!
Contudo, há dias que são, quanto a mim,
importantes, e, portanto, devem ser lembrados e celebrados. O Dia dos Avós é um
deles.
Não poderei dizer que me lembro
dos meus avós apenas nesse dia… Apesar de já não estarem presentes na minha
vida, nem no mundo físico, os quatro continuam muito presentes na minha memória
e nas minhas saudades. A comemoração deste dia leva-me sempre a parar um pouco
e a pensar nos momentos maravilhosos que vivi com eles. Penso no meu avô João.
A simpatia que nutro pelo animal burro será com certeza, herança dele. Era este
avô que, numa paciência sem fim, carregava o burro com dois cestos de cada lado
e levava os seis netos a passear e a conhecer a aldeia. Lembro a minha avó
Celeste, pequenina, de uma força inquebrável, que fazia tudo para agradar aos
netos. Ainda o desejo não era manifestado e já ela o tentava conceder. Relembro
a sua varanda, cheia de flores, porque o amor do avô João eram os animais mas o
amor da avó Celeste eram as flores. Do lado paterno, outras duas figuras
importantes na minha vida: o avô José Bernardo, dado a alguma ironia, capaz das
maiores zangas, como das melhores gargalhadas. Um avô que adorava levar os
netos ao café mas que ficava doente se pedíssemos uma garrafa de água (Para
pedir água, vais à fonte, menina!) Guardo tanto dele na minha forma de ser! E,
por fim, a última a deixar-nos, a minha avó Maria Antónia (Maria do Rosário
nasceu mas era, para todos, a Maria Antónia). Serena, calma, dona de uma
gargalhada quase silenciosa mas dada com gosto. Como me lembro dela, sentada à
beira da lareira, dormitando ou rezando o seu terço.
Penso que tinha avós bem
representativos do nosso Portugal dos anos 80. Gente da terra, ligada a ela
mais que tudo. Gente que habitava as pequenas aldeias desse pequeno Portugal,
que nos faziam tomar contacto com um país que mal conhecíamos. Gente rude mas
capaz dos atos de maior altruísmo (Bem me lembro de ouvir o sino tocar a
rebate, aquando de um incêndio, e de eles irem ajudar a combater o incêndio,
bem antes de chegarem bombeiros!) Gente que tinha tempo para nos levar a
conhecer as suas hortas, os seus animais, que nos ensinavam que ajudar o
vizinho nas lides agrícolas era normal e expectável. Gente com tempo para mimar
os netos, contar-lhes as histórias do povo em que viviam. Gente que tinha tempo
para nos ensinar tudo o que nos pudesse passar pela cabeça: aprender a fazer
renda; plantar uma flor; alimentar um animal. Acima de tudo, gente com tempo
para gastar com os seus netos.
Hoje olho para muitos avós que
conheço e penso que muito disso se perdeu, fruto, parece-me, desta tão falada
crise que ora se instala, ora diz que está de saída mas que se vai mantendo por
cá. Assisti a avós que, apesar de reformados, procuraram continuar a trabalhar
para ajudar os filhos que não conseguem fazer face a todas as despesas mensais.
Assisti a avós que, em vez de possuírem o tempo e a paz que já mereciam nesse
momento da vida, se viram a braços com toda uma família instalada em casa,
fruto de os filhos terem perdido a sua própria casa. Vi-os a ter que alimentar
não só os filhos mas também os netos. Vi avós que trocaram os passeios com os
netos no parque por um qualquer biscate que pudesse trazer mais dinheiro para
casa. Vi avós que passaram a ser a “almofada financeira” a que as famílias
podem recorrer, aquando de uma despesa inesperada. Vi avós a viver no stress e
na angústia. Vi avós a passarem menos tempo de qualidade com os seus netos
porque, tal como os pais da criança, eles não têm tempo.
Resumindo: verifico que muitos
dos avós de hoje continuam a trabalhar arduamente e, tal como os filhos, não
têm tempo.
É claro que os avós como os meus
não desapareceram. É claro que ainda os há! E ainda bem. Mas a verdade é que
tenho assistido a um aumento deste segundo modelo de avós que referi e sinto
pena: por eles, que mereciam paz, e pelos netos, que mereciam ter avós como
aqueles que eu tive. Isto é, avós que tinham a possibilidade de me oferecer o
que de melhor há: o seu tempo para me ajudar a conhecer o mundo.