terça-feira, 29 de agosto de 2017



Almas gémeas e "O testo para a panela"

http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24454/almas-gemeas-e-o-testo-para-panela

Desde sempre que me lembro de ouvir que um dos sentidos da vida é procurar a nossa metade da laranja. Vivemos com esse intuito. Muitas vezes ouvi que tinha um feitio particular e, como tal, encontrar a minha metade seria difícil. Mas, logo em seguida, asseguravam-me que “para cada testo, sua panela”, tentando aligeirar a preocupação que a afirmação de possuir “feitio especial” me pudesse trazer na consecução do objetivo de encontrar a minha metade da laranja. Mas a verdade é que sempre desconfiei do valor fidedigno da afirmação sobre o testo e as panelas. Seria mesmo assim? Teríamos mesmo, perdida no mundo, uma Alma Gémea que nos faria sentir completos?
Assumo que sempre fui tendo as minhas dúvidas. Para começar, o que seria isto da Alma Gémea? Como poderia ter certeza que aquela era a pessoa certa?
 Sempre achei que a Alma Gémea era aquela pessoa que conhecemos e com quem sentimos logo empatia. Aquela pessoa com quem podemos conversar horas a fio sem que o assunto morra e a vontade de conversar esmoreça.
Aquela pessoa que se encaixa na nossa forma de pensar, na nossa forma de ver o mundo. Aquela pessoa que partilha dos nossos ideais.
 Aquela pessoa com quem não discutes, que te entende a maior parte das vezes e que também tu entendes.
Aquela pessoa que te faz sentir que vale a pena partilhar os teus pensamentos e que, acima de tudo te faz sentir em paz.
À partida, se me fosse dado a escolher encontrar uma pessoa assim, acho que aceitava a oferta do destino e consideraria ter encontrado a pessoa que me poderia fazer acreditar numa longa vida a dois. Mas a verdade é que, não preenchendo todos os parâmetros, encontrei pessoas na minha vida que preenchiam uma grande parte desses requisitos e que, nem por isso passaram a ser os meus “mais que tudo”. Votei-lhes, e voto-lhes, um amor sem fim mas, o amor inerente à amizade. Encontrei pessoas que me fizeram pensar que, eventualmente, seremos almas velhas que se vão reencontrando e reconhecendo no mundo. Daí as afinidades, os pontos em comum. Contudo, essas “almas velhas” não deixaram de ser grandes amigos. Não eram “A Alma Gémea”.
Depois…a nossa vida leva-nos a cruzar com um outro tipo de pessoa, um tipo de pessoa muito raro. Raros por integrarem grande parte das qualidades que referi mas por fazerem, simultaneamente, pensar que esta é a pessoa certa, esta é a metade da laranja que se procurava, esta é a Alma Gémea.
Uma das qualidades dessas pessoas é uma característica já enumerada: a facilidade de relacionamento entre as duas pessoas. Também nesta situação as duas almas se sentem muito confortáveis na presença uma da outra. Parece que se reconhecem, também, de outras vidas. Identificamos ainda, nessas pessoas raras, o facto de, quando as encontramos, a alma parecer relaxar. Ela, a alma, não necessita estar sempre atenta com receio do que poderá vir. Pode mostrar a sua vulnerabilidade porque confia, sem ter uma razão plausível para tal, no outro. Característica dessas pessoas raras é, ainda, o facto de o silêncio não se tornar pesado nem desagradável. Pelo contrário. Na presença uma da outra, estas almas parecem conseguir comunicar em silêncio. Os olhares, os toques, são mensagens perfeitamente entendidas por cada um. O silêncio mais não é do que uma outra forma de comunicação.
 Mas, mais importante que tudo, e o que, quanto a mim faz toda a diferença, é a química que existe entre estes dois seres. Esta química, que se torna quase palpável para os restantes “mortais”, não pode ser apagada, destruída nem se consegue disfarçar. Esta onda de eletricidade que perpassa entre os dois acontece, como é óbvio, no sexo mas, também, num simples olhar ou num ligeiro toque. E esta é, quanto a mim, a característica que cria a grande diferença entre almas que se reencontram e se reconhecem (as grandes amizades) e as Almas Gémeas. Esta rara conexão, esta energia que não se apaga ainda que ambos estejam afastados, oferece-nos a certeza que aquela é a alma pela qual temos aguardado toda a nossa vida e pela qual vale a pena lutar.
Contudo, não se pode ficar com a ideia de que todas as Almas Gémeas se reúnem de um modo fácil. Nem sempre a Alma Gémea vem no corpo ou nas circunstâncias de vida certas. O que quero dizer é que podemos reconhecer/ identificar a alma como sendo a alma que procurámos toda a nossa vida mas nem assim vivermos o amor que acharíamos incondicional. Apesar da energia e do entendimento, as almas não se reuniram, a vida não lhes permitiu e cada um seguiu a sua vida por outro caminho.
Entristecem-me estas almas que afinal ficam desavindas. Fica a sensação que elas não viveram tudo aquilo que era suposto quando chegaram a este mundo. Fica a impressão de que algo na vida dessas pessoas ficou inacabado…
 Mas a verdade é que a energia entre essas duas pessoas não morreu. A energia fica à espera de uma nova oportunidade para reacender uma chama que continua latente. No fundo, fica a esperança que, cedo ou tarde, estas almas feitas para se encontrarem e continuarem juntas, lado a lado, viverão o amor que estava escrito para eles desde o início. Assim, estas almas darão razão à forma popular de falar da Alma Gémea, mostrando que o testo encontrou a sua panela. Assim, compreendi, por fim, que se pode ter certezas que as Almas Gémeas existem, de facto.

terça-feira, 22 de agosto de 2017


http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24399/ma-tante-marie#.WZxawWwqtAU.facebook


“Ma tante Marie”
Penso que já terei mencionado por aqui que provenho de uma família de emigrantes. Os meus pais emigraram e tanto eu como a minha irmã nascemos em França. Quase todos os meus tios, tanto paternos, como maternos, foram um exemplo da emigração dos anos 60. Muitos deles, sobretudo os homens, foram “a salto” (expressão que se usava na época para referir aqueles que emigravam, saindo do país de forma ilegal). Aliás, a maioria dos homens emigrantes que conheço, os da minha família, seguiu assim. No geral, as mulheres seguiram para França já mais tarde, já com uma situação mais estável e de forma legal. Falo, neste caso, dos meus, dos casos que conheço.
A minha tia, Maria de Jesus de seu nome, foi uma dessas pessoas que emigrou nos anos 60, para um dos Eldorados da época, França, e que por lá se manteve até aos dias de hoje. É a verdadeira portuguesa emigrante, condensando nela todas as características que estamos habituados a reconhecer nos emigrantes dessa época. Apesar de adorar o país, Portugal, viveu, desde que emigrou, sempre em França. Toda a vida a ouvi dizer que tem saudades de Portugal, contudo, sinto que se vivesse por cá não aguentaria as saudades daquele país que a acolheu e que já considera um pouco seu. Saiu de uma pequena aldeia do centro do país ainda muito nova, contudo, o apego à terra e à agricultura que lhe foram incutidos em Portugal nunca a abandonou. Por isso criou em França um “petit Portugal”. No seu pequeno “jardin” sempre tentou cultivar legumes que lhe recordassem o nosso pequeno canto, com principal destaque para a bela da couve que daria lugar, mais tarde, a um belo e bem português caldo verde. Os produtos portugueses de qualidade que não conseguia adquirir com tanta facilidade em França (porque não os havia ou porque tinham um preço absurdamente elevado nos “magasins portugais” (Leia-se, lojas portuguesas), ela própria os carregava de um país para o outro. Queijos de qualidade, azeite, vinho do Porto, são apenas alguns dos exemplos dos produtos que seguiam para França. Começou por fazê-lo meio escondido nas malas, enquanto se tentava passar incógnito nas fronteiras, quando viajava de carro, e continua a fazê-lo, agora, quando viaja em carrinhas que fazem o transporte de passageiros de um país para o outro. É essa uma das razões pelas quais o avião é um meio de transporte impensável para a minha Maria. A enorme limitação de malas e sacos é um grande handicap que ela não consegue suportar. Por amar o seu país, que teve de abandonar, sempre foi mantendo contacto com a comunidade portuguesa que, como ela, abandonara o país. Aí se relembrava a pátria da forma mais comum que se conhece: usando a sua língua. Era aí que se praticava aquela que foi a sua língua-mãe, aí que se sentia “com os seus”, com uma família adotada por também ela estar “no estrangeiro”. Contudo, com o passar dos anos, e porque vivia mais de 11 meses por ano num outro país, onde tinha de praticar uma outra língua, o francês foi-se instalando, roubando algum espaço ao português parcamente aprendido até à realização da 4ª classe. E, como tal, é normal ouvir a minha tia, assim como a maior parte dos que emigraram dizer que “voltam para Portugal quando tiverem a “retraite” (reforma), que lhe faltou as “carotas” (cenouras) para a sopa, que querem “tranchas de jambon” (fatias de fiambre) ou expressar a sua mágoa ou preocupação usando a máxima francesa “c’est horrible!”. Desengane-se quem acha que a minha tia o faz por não se considerar portuguesa, ou por demonstrar desdém para com a nossa língua. Nada disso. A explicação é bem simples: como referi anteriormente, isto mais não são do que erros de alguém que pouco pratica a língua em virtude de não se encontrar no país. A minha tia, tal como grande parte dos emigrantes dessa geração, teve filhos que já nasceram em França e a maior parte já tem, também, netos. Para os filhos e netos, a língua-mãe é a francesa. É claro que eles vão falando português, incluindo algum vocabulário e alguma cultura portugueses no seu dia-a-dia mas naturalmente o idioma vai sendo paulatinamente esquecido.
A minha “Tante Marie”, tia Jesus, ou apenas Marie, mais não é que uma representante da mulher portuguesa que emigrou para França, para melhorar a sua vida, que lutou para ter o seu canto cá e lá. Uma mulher que trabalhou, muitas vezes, para lá das horas do horário laboral, que acumulou tarefas para providenciar uma vida melhor para si e para os seus. Uma mulher que sabe o valor do trabalho e do dinheiro. Uma mulher que, com uma vida passada num país que não era originariamente o dela, se sente, atualmente, dividida. Volta sempre para as férias. Agora, que é reformada, já se permite passar mais tempo aqui em Portugal. Aproveita para falar a sua língua, para cuidar da sua horta, para frequentar as festinhas da sua aldeia, para conviver com a sua família. Mas a verdade é que, passado algum tempo, a saudade do país que a acolheu começa a crescer. Porque foi lá que passou a maior parte da sua existência, porque foi lá que construiu a sua vida e porque foi lá que plantou novas raízes: filhos e netos. E será essa a eterna maldição do emigrante (a meu ver): o não se sentir o filho de Portugal mas ainda não se sentir filho da França.

Quis falar hoje da minha Tante Marie (usada aqui em modo de sinédoque, como alguém que representa o todo) porque representa a força das mulheres da minha família e, de um modo alargado, da mulher portuguesa que, mediante situações adversas foi à luta, se mostrou resiliente e conquistou o seu pedacinho de mundo e felicidade. Por isso sinto o maior orgulho por essas mulheres!

sexta-feira, 18 de agosto de 2017


http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24360/e-agora-ardeu-o-colegio-de-sao-fiel

E hoje ardeu o Colégio de S. Fiel…
Tenho um percurso de vida que me traz algumas dificuldades quando me perguntam sobre as minhas origens. Não me considero filha de um local só. Nasci em França, na bela cidade de Chambéry, que abandonei tão novinha que poucas lembranças me deixou. Ainda assim, sinto uma inclinação para a língua e cultura francesas que me fazem acreditar que o local onde vemos a luz do dia pela primeira vez nos deixará marcas indeléveis.
Alguns anos após o meu nascimento, a família voltou para Portugal e abriu as malas que trazia numa vilinha perto da Covilhã. E foi aqui que cresci, me tornei adulta e é esta a cidade que sinto como minha. Considero-me covilhanense e considero a cidade como minha. Contudo, as raízes dos meus pais não são covilhanenses. São albicastrenses. Ou melhor dizendo, são de duas aldeias que pertencem a este distrito. Aldeias tão pequenas que, a não ser os seus habitantes e as pessoas a elas ligadas por motivos familiares, ninguém conhece. E, por serem as aldeias onde nasceram os meus pais, por serem as aldeias onde passei férias e por serem as aldeias onde ainda tenho familiares, também as considero um pouco minhas.
Nos últimos dias, Casal da Serra foi apresentado ao país pelos piores motivos. Mais uma vez a Serra da Gardunha está a arder, mais uma vez a aldeia está em risco…Infelizmente, já vi este cenário mais vezes (a “serra” do Casal da Serra tem tendência a arder, de um modo mais ao menos cíclico, de 15 em 15 anos). Nunca nada nos prepara para esta situação. Os incêndios são uma calamidade, sem dúvida. Contudo, quando batem à porta de locais que nos são caros, a dor é ainda maior, quase insuportável. Ainda não recomposta do incêndio de Pedrógão e Castanheira de Pera (que, por ter sido um dos locais onde trabalhei, considerava um pouco meu) eis que arde a Gardunha, num incêndio completamente descontrolado que tem levado tudo pela frente, nomeadamente aldeias que conheço desde que vinha passar férias de verão a Portugal.
Hoje fiz a viagem Covilhã – S. Vicente da Beira, para um almoço em família. Quem segue os noticiários saberá que um dos focos deste incêndio se iniciou em S. Vicente da Beira, que fica a escassos quilómetros de Casal da Serra. A viagem foi terrível. Passados os túneis da Gardunha senti que tinha entrado num cenário de guerra. Terra queimada por onde quer que olhasse, uma nuvem espessa à minha frente, um cheiro medonho a queimado no ar, aqui e ali, ainda locais a fumegar. Mas não havia sinais de incêndio perto. Continuava a arder na serra mas pensei que estaria controlado. Ainda que de coração pesado, respirei com algum alívio. Contudo, quando quis regressar para a Covilhã fiquei a saber que as estradas estavam cortadas. Estava a arder outra vez em Louriçal do Campo e na Soalheira. Mais uma vez o vento tinha virado e o fogo estava descontrolado. E agora, que cheguei a casa, ouço que está a arder o Colégio de S. Fiel.
E porque é que esta notícia me causou uma dor ainda maior? Nem tenho resposta. Desde que me lembro de ser gente que me lembro de passar por este edifício imponente ainda que votado ao abandono. Era um edifício que alternava entre o majestoso e o dantesco. Quando questionava o meu pai sobre a finalidade que tinha tido aquele edifício o meu pai apenas me dizia que tinha servido de colégio para jovens mal comportados. Mais velha pesquisei um pouco sobre ele. Continuava a sentir-me fascinada por este edifício. Descobri que este colégio tinha começado por ser um estabelecimento de ensino a cargo da Companhia de Jesus. Mais tarde (e seria essa a época que o meu pai recordava) serviu de reformatório, sendo uma instituição que recebia menores enviados pelo Tribunal de Menores, chegando a ser conhecido como Instituto de Reeducação de S. Fiel. Dizem que Egas Moniz (o nosso prémio Nobel da medicina) terá aí terminado os estudos secundários.
Ano após ano passei por este Colégio. Observava aquela enorme estrutura, votada ao abandono há tantos anos e pensava no desolador que era ver negligenciados todo aquele edifício e o espaço circundante (uma vasta área arborizada).
O ano passado, fez exatamente um ano há poucos dias, tive possibilidade de visitar o edifício. Não da forma que se poderia pensar mas porque a freguesia de Louriçal do Campo organizou uma atividade no colégio que intitulou “Entre Mundos”. A ideia foi realizar um percurso dentro do Colégio de S. Fiel onde os espetadores teriam encontros com seres do além: almas penadas, lobisomens e outras criaturas medonhas (O edifício servia muito bem a esses propósitos). Tive a minha oportunidade de ouro para visitar algumas áreas deste fantástico edifício. Não vi nem metade…mas era um edifício particular. Com uma energia muito própria. Gostei e esperava pela nova edição do Entre Mundos com alguma expetativa. A atividade foi muito bem-sucedida. Penso que a perspetiva dos organizadores terá sido o de relembrar a existência daquele edifício e demonstrar as potencialidades de aproveitamento turístico que o mesmo poderia ter. E este ano chegou uma notícia que muito me agradou. O Colégio de S. Fiel fazia parte do projeto lançado pelo governo intitulado “Revive” que cedeu algum património imobiliário público para investimento privado a fim de desenvolver projetos turísticos. De entre vários imóveis lá constava o “meu” Colégio de S. Fiel. Apesar de considerar que seria difícil a recuperação de todo o edifício, pensei que poderia assistir à sua recuperação (ou parte) dando-lhe a magnificência que deveria ter em outros tempos.

 E hoje…hoje o sonho terminou. O fogo que lavrou em S. Vicente da Beira, em Casal da Serra, que deixou irreconhecíveis tantos locais pelos quais me habituei a passar todos estes anos, esse mesmo fogo, fruto da mudança do vento, seguiu sem piedade para o Louriçal do Campo e para o Colégio de S. Fiel. A situação que nunca se desenhou na minha cabeça aconteceu. O Colégio de S. Fiel que eu imaginava há pouco tempo renovado, o Colégio pelo qual ainda hoje passei, que se mantinha majestoso apesar do ar decrépito, dos seus vidros quebrados, do seu ar de abandono, aquele edifício imponente que encontrávamos à entrada do Louriçal do Campo, foi cruelmente levado pelas chamas. Sinto que um pouco de mim, talvez um pouco da menina que observava com curiosidade aquele edifício, desapareceu. Sinto-me desolada. Sinto que desapareceu, juntamente com toda aquela serra, um importante pedaço da nossa história…O majestoso edifício que foi votado ao abandono por este país que não valoriza o seu património, levou hoje a machada final, sucumbindo às chamas. E o fogo continua a lavrar…e a alma vai ficando cada hora mais pequenina… 

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

http://p3.publico.pt/pet/noticias/24352/portugal-e-os-animais-uma-relacao-ainda-complicada

Portugal e os animais: uma relação (ainda) complicada
Aqui há uns tempos, durante um jantar de amigas, de entre vários momentos divertidos e hilariantes, tivemos direito a um momento (mais um) que deu azo a muitas risadas mas que me fez pensar que, efetivamente, existem enormes diferenças entre os vários países da Europa. A amiga em questão, que vive na Suíça, narrava a sua odisseia para conseguir aceder ao desejo da sua filha que mais não era do que comprar um peixe! Contava como, ao chegar à primeira loja de animais se tinha dirigido à senhora e tinha explicado que desejava comprar um peixe. Simpaticamente lhe foi perguntado se já possuía aquário. Num primeiro momento a minha amiga achou a pergunta ligeiramente despropositada. A quem passaria pela cabeça comprar um peixe se não possuísse, desde já, um aquário? Contudo, quando respondeu que sim, que possuía um aquário redondo para o peixe, foi-lhe comunicada a impossibilidade de comprar o peixe uma vez que o apartamento que ela tinha para a criatura (o aquário redondo) era demasiado exíguo. Não se dando por vencida, seguiu para a segunda loja de animais. Explicou, outra vez, que pretendia comprar um peixe e que já possuía um aquário de dimensões consideráveis para o senhor se sentir bem recebido. Passada esta etapa, e na eminência de comprar o bendito peixe, surge mais uma questão: há quanto tempo estava a água do aquário em tratamento para receber o habitante? Uma vez que a resposta não foi a correta, mais uma vez a minha amiga se viu impossibilitada de adquirir o bendito peixe. Foi apenas na terceira loja quando explicou que queria comprar um peixe, que possuía um belo aquário, com dimensões nobres para o receber e que a água estava a ser tratada há, sensivelmente, 15 dias, é que ela conseguiu aceder ao pedido da filha e oferecer-lhe um lindo peixe de aquário. Assumo que adoro animais mas não sou fã de peixes. Não lhes faço mal, claro, mas são para mim, basicamente, o mesmo que uma planta. Estão…existem… Contudo imagino que, no caso dela, viveria apavorada com a possibilidade de o peixe morrer. Como explicar que o animal principescamente tratado teria morrido?
Depois de ter dado umas valentes gargalhadas com a história, dei por mim a pensar no quão diferentes são a Suíça e Portugal, no que ao tratamento dos animais diz respeito. Assumo que tanta preocupação me pareceu ligeiramente excessiva com um peixe. Mas…e o que se passa em Portugal com os animais de estimação? Este ano demos um enorme passo em frente quando, no primeiro dia do mês de maio deste ano civil, entrou em vigor o novo estatuto jurídico dos animais. Perante este novo estatuto foi reconhecido aos animais o serem seres vivos dotados de sensibilidade para além de serem objeto de proteção jurídica. Ainda de acordo com a nova lei em vigor, ficaram os cidadãos de Portugal a saber que quem agredir ou matar um animal ficará obrigado a indemnizar o proprietário ou as pessoas que tenham procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para tratar o animal. É, claramente, um passo em frente mas, tanto existe ainda para mudar nas mentalidades portuguesas…
Estamos em pleno mês de agosto. Não conto pelos dedos das mãos as fotografias que já me passaram pela frente de animais que foram abandonados. Incrivelmente, continuam a ser abandonados animais pelas mais variadas razões mas nas quais destaco algumas das explicações mais ouvidas: “comprei-o tão pequenino mas agora cresceu tanto!”; “Não tenho tempo para passeá-lo…ele exige imenso tempo e cuidados e eu não tenho esse tempo!”; “Vou de férias e não tenho a quem deixar o animal”… E o certo é que o animal é abandonado, deixado junto a uma estrada, numa serra, muitas vezes atado a uma árvore para que, não só o pobre animal se veja abandonado, como as suas próprias possibilidades de sobreviver sejam mínimas. Não deveriam estas pessoas ter sido interrogadas sobre as condições de vida que poderiam dar àquele animal antes de o adquirirem? Contudo, sabemos que poucos são os que são punidos por esses abandonos…
Aqui há tempos ouvi na comunicação social o caso de dois cães de grande porte que morreram por terem ficado fechados num carro, sob temperaturas de mais de 30 graus, enquanto o dono se passeava por um centro comercial. Várias pessoas viram os animais a agonizar no entanto e, pelos vistos, ninguém tomou providências. Sim, sabemos que o dono chorou imenso quando viu o resultado da sua inconsciência. Sim, sabemos que este senhor será presente a tribunal. Mas…não fazendo futurologia não me parece que o castigo deste senhor que condenou à morte dois cães vá muito além de uma multa. Será que não será retirada a este senhor a possibilidade de ter mais animais? E as pessoas todas que viram e negaram auxílio? Não deveriam também elas ser chamadas à razão?
Penso ainda: não deveriam obrigar as pessoas que adquirem um animal (espero eu que dado e não comprado) a assinar um termo de responsabilidade?
A verdade é que ainda temos muito a crescer como sociedade no que aos animais e aos seus cuidados diz respeito. Somos uma sociedade que aceita “acidentes” como a morte daqueles dois cães com um certo ar pesaroso, alguma indignação momentânea e nada mais. Somos uma sociedade que tem conhecimento que todos os anos há imensos abandonos de animais de estimação na época de férias mas que assobia para o lado e diz “o que pode ser feito para alterar esta situação?” Somos uma sociedade que assiste ao crescimento totalmente descontrolado de colónias de gatos e que pensa que nada pode ser feito para o evitar. Somos uma sociedade que assiste ao uso abusivo de animais (cãezinhos que passam horas com uma cesta na boca, onde serão colocadas umas moedas, enquanto o “dono” canta ou toca umas miseráveis “musiquinhas”, por exemplo) e que não se incomoda ou até bate palmas! Somos uma sociedade que legitima as touradas, aceitando o sofrimento provocado num ser vivo apenas e só para alegria do público. Por fim, somos uma sociedade que aceita, como algo normal, assistir a números de circo onde se encontram integrados animais a realizar tarefas que nada têm a ver com o seu modo de viver natural. Concluindo…somos uma sociedade que ainda tem um longo caminho para trilhar no que ao tratamento dos animais diz respeito.
Chegados a este ponto sinto, desde já, as vozes a levantarem-se dizendo: somos é uma sociedade que trata mal os seus idosos! Que os abandona em lares ou até em hospitais. Por que deverei preocupar-me com animais quando há pessoas nesta situação? Ao que responderei: uma situação negativa não legitima outra situação negativa. Como cidadãos conscientes, temos obrigação de lutar contra esta forma de tratar a nossa população menos jovem, é óbvio. Mas temos obrigação, também, de tentar mudar mentalidades, de perceber que o animal é um ser vivo merecedor do melhor. Temos obrigação de fazer cumprir a lei (que, entre outras coisas, criminaliza o abandono), exigindo que seja colocado em prática o que, em boa parte, a lei já traçou.

No fundo, todos temos obrigação de contribuir para uma sociedade mais justa sublinhando a obrigação moral que temos de respeitar todas as criaturas vivas, demonstrando assim que podemos ser uma grande nação, partindo da perspetiva de Mahatma Gandhi: “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo como trata os seus animais”.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017


http://p3.publico.pt/actualidade/educacao/24282/sou-professora-contratada-e-feliz

Uma crónica com que muitos concordarão e outros tantos discordarão...

Sou professora contratada…e feliz!
Terminou, no passado dia 31 de julho, o concurso de professores para Contratação Inicial e Reserva de Recrutamento. Para quem não está inserido nestas lides dos concursos, este nome pomposo pouco lhe dirá. Passo a explicar: trata-se do concurso que irá ditar a sorte de muitos e muitos professores que ainda são contratados, não pertencendo, ainda, a nenhum quadro de zona pedagógica nem a nenhum quadro de agrupamento. Assim, e depois de aferidas as necessidades restantes nas escolas, serão colocados alguns professores na contratação inicial no início do ano ou, ao longo do ano, na Reserva de Recrutamento. Quer isto dizer que, neste momento, existem muitos professores (licenciados e, a maior parte, com vários anos de serviço) que ainda não sabem qual será a escola e cidade para eles reservadas em setembro ou, sequer, se terão alguma escola onde lecionar. Eu faço parte dessa “categoria” de professores contratados e com futuro incerto.
Quando me apresento e digo que sou professora de Português sinto algum interesse e respeito por parte das pessoas. Referem como deverá ser difícil ser professora de Português numa época em que a língua-mãe é tão maltratada, numa época em que a juventude se demonstra tão difícil. Quando refiro que sou professora de Educação Especial, no geral, olham para mim como alguém que tem uma missão difícil e sinto que o respeito é ainda maior. Contudo, quando digo que sou “professora contratada”, num ápice o olhar de respeito transforma-se num certo ar de comiseração e pena.
O professor contratado é aquele que, como se diz popularmente, “anda sempre com a casa às costas”. É aquele que percorre quilómetros (muitas vezes às centenas) para poder trabalhar. É aquele que luta para ter tempo para a família porque, para além do muito tempo que a profissão lhe rouba, ainda tem de roubar tempo para as intermináveis viagens. É aquele do futuro incerto. É aquele que, no final de cada ano letivo pensa: “Esta poderia ser “a” escola, a minha escola. É aquele que, todos os finais de ano letivo se vai embora, deixando saudade em alguns, recordações noutros ou sendo aquele que apenas é alvo de uma breve alusão pelos “professores da casa”: lembram-se da professora de português contratada do ano passado? Que será feito dela? Onde estará este ano? No fundo, professores que rapidamente serão esquecidos, substituídos por outros contratados que entretanto chegarão. E, posto isto tudo, quase que me apetece dar razão aos olhares de pena e dizer: “Coitadinhos dos professores contratados!!”
Assumo que durante muitos anos me considerei assim: “Coitadinha!”. Pensava: “Coitadinha de mim! Mereço mais da vida! Deveria escolher outra profissão! Mas…caramba, gosto tanto desta!! Sinto-me tão bem quando me é dada a possibilidade de trabalhar!”
Contudo, aos poucos, senti que algo mudava em mim. Passei a tentar ver o lado positivo desta minha vida itinerante. Ando sempre com “a casa às costas” é um facto mas aprendi, com isso, que não necessito de uma casa “cheia de muito”. Tornei-me mais minimalista, mais simples. Tenho o kit de sobrevivência - aqueles sacos que ficam feitos no final do ano letivo, que saíram da antiga casa e seguirão para a nova casa quando iniciar o novo ano letivo. Não preciso de muitos objetos, muita decoração para me sentir em casa. Mais simples, logo, mais livre.
Não trabalho, nem vivo, em grande parte do ano, na minha cidade. Mas…tenho o prazer de conhecer e de passar a viver, temporariamente, em várias cidades (e vilas) deste pequeno país. Costumo dizer, com um certo tom jocoso, que posso chamar de casa a quase metade das cidades deste país (releve-se o exagero). Mas a verdade é que eu até gosto disto! Não sou uma cidadã do mundo mas sou uma cidadã de Portugal. Posso dizer que parte do meu coração ficou em várias cidades deste país: Coimbra, Albufeira, Estremoz, Avis…apenas e só para citar algumas! Conheço, por dentro, várias cidades portuguesas assim como as suas gentes. Gosto de conhecer os locais, as tradições, os pequenos restaurantes que apenas os da terra conhecem e onde iremos encontrar, provavelmente, as melhores tradições gastronómicas. Gosto de perceber o quão diferentes podem ser os alunos de cidade para cidade: não existe comparação entre alunos de Portalegre ou Avis e alunos de Albufeira. Tão diferentes nas suas vivências e formas de estar e, contudo, tão idênticos no desafio que representam: conquistá-los, trabalhar com eles da melhor forma para poder atingir os objetivos e deixar, quando vamos embora, a melhor recordação de profissionalismo e humanidade. Não será este desafio constante algo de positivo?
Outro fator positivo que constatei: como professora contratada tenho o prazer de conhecer imensas pessoas. Em anos mais positivos dou o epíteto de “família lá da escola”. Inevitavelmente alguns colegas passam, ao longo do tempo, a ser amigos e considerados como família. Passam a ser a família com que podes contar naquela cidade que ainda estás a conhecer. Com eles irás partilhar angústias e incertezas quanto à escola, ao trabalho e ao futuro. Irás partilhar o teu dia-a-dia. Serão aqueles com quem poderás contar para te ajudar num qualquer problema que tenhas naquele local. E, será com eles que irás partilhar os momentos de divertimento, os jantares, os tempos livres que têm de ser vividos fora da tua casa e da tua cidade. Sentes, a determinada altura, que serás o eterno aluno universitário (e não te incomodas com isso!). Manténs o hábito de “hoje jantamos em minha casa? Amanhã na tua?” As atividades implicam sempre “aquela família”: seja uma visita à cidade e aos seus monumentos, uma ida à praia, uma ida ao café mais popular da zona. No fundo, tentas retirar, tu e os que te acompanham, o melhor partido daquela situação precária. E chega o momento em que percebes que, como professora contratada, estás a viver uma vida diferente mas que a estás a aproveitar da melhor forma. Percebes que tens uma liberdade que muitos não têm. Olhas para os teus amigos, aqueles que têm emprego estável, sempre na mesma cidade, os empregos das 9 às 5, e pensas: seria capaz de me adaptar? Hoje, mais do que nunca, penso que não. Penso que um dia esse momento chegará mas, por enquanto, escolhi retirar o melhor que esta vida me dá: liberdade.
Sou professora contratada? Sim. Mas não sou coitadinha. Sou livre e trabalho todos os dias para a felicidade. Escolhi retirar o melhor que esta vida me dá: a possibilidade, constante, de fazer novas amizades; a possibilidade de conhecer outras cidades, outras formas de ser, estar e viver. Identifico-me e vivo de acordo com as palavras de David Fonseca:
"Sou ave rara, sou fruta cara
Fugi dessa gaiola, não sou de cativeiro
E assim eu fiz, fui ser feliz
Ser feliz é trabalho que dura o ano inteiro"


Um dia deixarei de ser, eventualmente, professora contratada. Passarei a fazer parte de um Agrupamento e aquele passará a ser o meu agrupamento de escolas. Eventualmente… Mas por enquanto sou feliz assim. Sou feliz porque aprendi a retirar o melhor da situação, aprendi a ser menos exigente no que às “condições ideais” de trabalho diz respeito, aprendi a ser menos exigente com a vida em geral e, provavelmente por isso, aceito o que a vida me dá. Revoltar-me com a situação só iria dificultá-la ainda mais. Claro que luto para mudar a situação precária. Não me acomodei. Mas enquanto ela muda e não, decidi ser feliz com o que tenho. Quantos poderão dizer o mesmo?