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Ainda sobre o caso H&M…
Gosto de pessoas sensíveis! Mais
do que gostar, adoro-as. (peço o favo de lerem estas primeiras palavras com um
tom irónico) No campo das coisas de que gosto também incluo um poema de Sophia
de Mello Breyner Andresen intitulado “As
pessoas sensíveis” (para ler ou reler - já que falamos no tema da
sensibilidade). Começa com os magistrais versos:
“As pessoas sensíveis não são capazes/ de matar galinhas/ Porém são
capazes/ De comer galinhas…”. É um poema de denúncia àqueles que a autora
considera hipócritas. E sempre que me cruzo com sensibilidades extremas e com
aquilo que me cheira a hipocrisia, lembro-me deste poema. E, quanto a mim, é
precisamente o que aconteceu no “caso H&M”. Nada mais que hipocrisia,
sensibilidades apuradas, puritanismos falsos, moralismos fingidos.
Antes de mais, quero deixar bem
claro que para mim isto é um “não problema”. Assumo que quando a polémica
rebentou não pensei que sentiria a necessidade de escrever sobre o assunto.
Para mim estávamos a assistir a mais uma polémica empolada pela força das redes
sociais. Analisando a fotografia, a bendita da camisola e o catita que era o
modelo pensei que depressa a polémica se extinguiria por existir uma total
falta de combustível que a alimentasse. Isto é, pensei que depressa a polémica
se iria extinguir uma vez que se iria perceber que nada naquela acusação fazia
sentido! Contudo, o tempo veio demonstrar que estava enganada, com vários
artistas a cancelar o seu contrato com a H&M, com vários textos/crónicas a
serem escritos sobre o assunto (textos que sublinhavam a importância de se
debater este flagrante erro da empresa) com várias vozes a levantarem-se e a
exigirem o retratamento da empresa, que não tardou a chegar. Levantaram-se as
bandeiras antirracistas! Cuidado que temos ali mais uma vez a supremacia do
colono branco! Cuidado que estamos perante uma fotografia que trata como macaco
uma criança negra! Imensas foram as vozes que se ergueram contra esta
“insuportável” imagem, este erro tão hediondo.
Perante isto tudo, e tendo em
conta, que eu não vejo nada do que acima foi descrito, senti finalmente a
necessidade de escrever sobre o assunto. E a necessidade surge sobretudo de
perceber se efetivamente sou eu que sou demasiado insensível a certas questões
ou se é o mundo que cada vez escolhe olhar com mais atenção para questiúnculas
esquecendo os temas com os quais se devia preocupar de facto!
É claro que é possível fazer a
leitura que tantos estão a fazer…é claro que depois de nos chamarem a atenção
para a mensagem da fotografia e para o modelo possamos pensar que escolheram a
criança negra de propósito para ilustrar aquela frase…Mas acham mesmo que isso
faz algum sentido??? Em primeiro lugar, há que pensar na questão da língua.
Tanto quanto sei, a expressão “little monkey”
é utilizada na língua inglesa da mesma forma que em português usamos expressões
como “a minha pulguinha”, “o meu ratito”, “o meu piolho”, “o estorninho” ou a
“minha formiga rabiga”. Nenhum destes “animais” é particularmente simpático à
visão mas…é óbvio que esta é uma forma carinhosa de se referir aos seus
rebentos e não uma forma literal de os caracterizar. Na língua inglesa muitas
mais formas haverá. Portanto questiono: houve uma falha assim tão grande ao
criar esta camisola? Ou apenas se usou uma expressão (adaptada) da própria
língua? Será completamente impensável que ao fotografarem o modelo, a
interpretação racista do conjunto camisola/ modelo não tenha existido? Para mim
é plausível pensar que tal ideia não aflorou a mente de ninguém.
Se gosto da camisola? Não, não
gosto. Mas não me ofende vê-la a ser envergada por uma criança negra ou uma
criança branca. O que me parece que aconteceu neste caso foi que se criou uma
celeuma à volta de uma situação que, quanto a mim, nunca foi equacionada. O ver
comportamentos racistas em todo o lado não será também ele uma forma de
racismo? Não será uma dificuldade ainda em lidar com as várias cores que o ser
humano tem? Não será uma necessidade de olhar sempre para o lado da diferença?
Este tipo de atitude: interpretar
como uma mensagem racista uma simples camisola vestida por um modelo negro, não
só não ajuda a combater o preconceito como demonstra que ainda há muito caminho
por trilhar. Toda esta atitude mais não é do que, para mim, e como dizem os
franceses, “chercher la petite bête” (procurar
o pequeno bicho), no sentido em que se perde tempo em pequenos detalhes não se
preocupando com as coisas que de facto têm importância. Estas pessoas que tanto
se incomodaram com uma “má escolha do modelo para determinada camisola”
assobiam para o lado quando ouvem que a mesma camisola foi, provavelmente,
feita por alguma pessoa altamente explorada ou, quem sabe, por uma criança em
lugares como Índia, Camboja ou Bangladesh. Incomodamo-nos com os nadas do mundo
porque as preocupações a sério são demasiado avassaladoras. Elas exigiriam de
nós uma reação bem mais forte que a de bradar contra uma má escolha da H&M.
Assim, com esta irritação contra a loja e contra todos os que deixaram que esta
fotografia chegasse ao grande público, sentimos que cumprimos o nosso dever de
bons cidadãos, mostrámos que somos gente que luta contra qualquer indício de
racismo. Ajudámos a mudar um pouco o mundo…ainda que fosse num tema
insignificante…
Contudo, a verdade é que mais não
fizemos do que, mais uma vez, mostrar que bem no fundo continuamos a ser
racistas disfarçados de cidadãos conscientes.
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