domingo, 30 de abril de 2017



“Há palavras que nos beijam”* …e há outras…"
A língua portuguesa é a língua, obviamente, utilizada pelos que vivem neste país à beira mar plantado mas é também a língua utilizada por brasileiros, muitos africanos e alguns asiáticos. É uma língua falada por muitos, sendo, pelo que vou ouvindo por aí, a 6ª língua mais falada no mundo. É, por exemplo, uma língua mais falada que o francês. Sou suspeita porque sou portuguesa, é claro, mas é, quanto a mim, uma língua bonita e melodiosa. Há línguas que têm um som agressivo para os nossos ouvidos. Não querendo ferir susceptibilidades, poderia referir, a título de exemplo, o francês e o alemão. O francês nalgumas palavras e o alemão em quase todas, deixam a sensação que os falantes têm algo entalado que lhes arranha a garganta…aquilo soa muito mal, convenhamos! São línguas agressivas para o falante e agressivas para o ouvinte!
Mas, hoje não queria comparar línguas nem falar na questão de umas serem mais melodiosas que outras. Queria mesmo falar do português e de algumas palavras com as quais tenho uma pequena inquietação e outras, pelo contrário, com as quais possuo grande apreço. Penso que isso acontece com toda a gente.
Vejamos: há palavras que soam tão bem que não poderiam significar realidades tão pouco simpáticas. Por exemplo: “burrié”. Para mim esta palavra poderia significar um qualquer marisco apetecível ou até uma tonalidade. Reparem: “Estive na marisqueira e comi “burrié” e percebes”. Não soa bem?! Ou: “trazia umas lindas calças num tom “burrié” magnífico”. Nada nos prepara nessa palavra para o seu verdadeiro sentido: monco, ranho, ranhoca (Essas sim, palavras dignas para a substância em causa!) Mas há outras: o cotonete! Palavra tão simpática que deveria ser utilizada em outra coisa que não fosse um instrumento para limpar cavidades!! “Queres um cotonete? Tenho doces e salgados?” E tratar alguém de “biltre”? Quem não conhecer o significado acreditará que está a ser elogiado e não a ser tratado de sacana! “Alvanéu”? Tenho a ideia que se disser a um pedreiro que é um alvanéu o senhor vai ficar ofendido a achar que terei posto em causa a sua masculinidade. Contudo, são palavras sinónimas…E eu acho “alvanéu” uma palavra bem bonita! “Perdigoto” e “Borborigmo” também são palavras que me soam bem. Perdigoto poderia ser qualquer coisa para comer: “Comi um perdigoto assado que era do além!”Contudo, estou a referir-me a algo tão bom como salpicos de saliva! E “borborigmo”? Quanto a mim, poderia ser o nome de um novo tipo de dança: junto à quizomba…o borborigmo! Mas não!! Tinha que ter como significado o ruído dos gases nos intestinos! Que desperdício de palavra!!
Por outro lado, há palavras que me soam bem e têm significados simpáticos! Adoro a palavra “Resiliência”! Soa-me bem e adoro o seu significado! Ser patusco é ser bem-disposto e divertido. A palavra dá logo essa ideia. E fazer um “cafuné”? Sim, é uma palavra do português do Brasil mas…não é tão bonita? Não está tão de acordo com a ação que representa? A simples palavra transmite essa ideia de repouso, de relaxamento que o cafuné provoca. E dizer que se é um “sommelier”? Caramba, não soa nada a ser professor ou advogado. É diferente! Eu gosto. Ah, significa que se é um profissional especializado em vinhos! Distinto, não é?!
Depois, há aquelas palavras que são feias e que estão de acordo com a realidade a que se referem. Palavras como “escarro” (com a popular alteração ainda mais feia “escarreta”), “varejeira”, “lodo”, “réptil”, “putrefato”, “furúnculo” não despertam em nós logo uma sensação de asco? E um “algoz”? Não é a palavra certa para um carrasco?! Feia que dói. Soa mal! Nessa categoria acrescentaria ainda o “onicófago”. Roer as unhas é efetivamente algo feio mas o nome que deram às pessoas que têm esse vício é mesmo medonho!
Por fim, queria falar ainda de palavras feias mas que transmitem realidades inocentes e/ ou bonitas. Por exemplo: o “minuete”. Palavra feia para nomear uma dança! “Dançou um minuete com o senhor José”, não soa nada bem! E um “algeroz”? Mais parece uma palavra para adjetivar um assassino! Mas não, apenas se refere a uma simples caleira! “Pertinácia e pervicácia” (ser pertinaz, persistente) são, quanto a mim, qualidades. Mas esta palavra faz-me pensar num submundo de sevícias ou castigos! O jovem que é “fleumático” apenas é paciente. No entanto, a palavra dá-me ideia que estamos a falar de uma pessoa “anafadinha”, gordinha…não me perguntem porquê. “Pândego” também me soa mais a ofensa do que a uma condição de “ser alegre”. E ter um “solilóquio”? Soa quase a ter uma apoplexia, um AVC e não apenas um monólogo! Para acabar, uma palavra terrível para algo tão comum. Uma fita estreita de algodão chama-se “nastro”! Facilmente usaria essa palavra numa frase como “deixou um nastro de destruição”!!
Estas são apenas algumas das palavras de que me lembrei. Com certeza que haverá muitas mais, e que cada um dos que lerem este texto terá os seus próprios ódios de estimação. Despeço-me com muitos “ósculos” (Faltava esta pérola!) aos que tiveram a simpatia de lerem estas linhas.
*"Há Palavras que nos Beijam" - Alexandre O'Neil
"hapalavrasquenosbeijam;

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