segunda-feira, 17 de abril de 2017

Penso que era Shakespeare quem dizia que “À luz do tempo, toda a tragédia, à exceção da morte, vira comédia”. No ano passado tive várias situações que, não sendo totalmente trágicas, tinham alguns apontamentos de tragédia. E sem dúvida que hoje olho para trás e vejo isso como uma enorme comédia que deu lugar a grandes gargalhadas. A minha estadia no Cortiçô Palace foi, efetivamente uma tragicomédia que relembro com (quase) saudade!
O ano letivo transato tive menos sorte que o habitual nas colocações profissionais que o habitual e acabei por ter de trabalhar em várias escolas diferentes. Na última escola onde trabalhei, iniciei as minhas funções em junho! Não sendo propriamente às portas da Covilhã, precisava de casa para pernoitar. Quando questionei a escola (a direção) sobre a facilidade em arrendar casas/ quartos por lá, prontamente me responderam que não havia problema uma vez que existia uma “Residência de Professores” (Nome pomposo!). Considerei a ideia interessante ainda que temesse que, numa altura dessas, já não houvesse quartos livres (ó quão enganada eu estava!)
Depois das formalidades necessárias e de conhecer a escola, um colega (digamos que seria o administrador da dita “residência”) prontificou-se a apresentar-me a dita. Pelo caminho foi-me informando (e hoje sei, preparando) para o tipo de casa e para o estado de conservação da mesma. Comecei a ficar ligeiramente receosa mas, tentando chamar-me à razão pensei: “What a hell! Se há colegas que vivem lá, eu não sou uma mulher cheia de manias, hei-de viver lá, também, sem problemas de maior! Deve estar a pintar isto de uma forma pior do que o que realmente é!”
Nunca esquecerei a primeira imagem que tive da “mansão”: um jardim bonito e grande (raro, no meio de uma cidade)…completamente abandonado, adquirindo um ar de jardim com lápides como aparece nos filmes de terror! Ajudando esta minha ideia, a presença de um gato de raça siamesa. Isso deveria ser um fator positivo, eu adoro gatos. Mas o desgraçado do felino tinha um ar tão velho e doente que ajudava a todo aquele ar de mansão abandonada e assombrada.
Subimos as escadas e fui assaltada por um ligeiro cheiro a bolor que ainda me assustou mais! Ainda assim, e corajosamente, segui em frente! Fui apresentada a um dos melhores quartos (palavras do meu “guia”) uma vez que era dos mais espaçosos. Nem uma ponta de humidade (coisa rara nos outros quartos, descobri mais tarde). Bem no centro, uma caminha tão baixinha que, quando me sentei nela, fiquei com os joelhos colados ao pescoço! Uma mesinha (-inha) de trabalho. A companhia de um beliche que acabou por me servir de mesa de apoio! Desencantaram, num outro quarto, lindas mesinhas de cabeceira. Um armário de parede de 3 portas (qual closet!)só para mim! Uma vista direta para o jardim (Vista que não era interrompida nem por cortinas, nem por persianas, uma vez que o quarto não as tinha!) E era esta a minha suite! Escolhi ficar!
O resto da casa era fabuloso: umas casas de banho dignas de um castelo: 5 sanitas! 5 cabines de duche! Uns 10 lavatórios, cada um adornado com o seu próprio espelho (o que permitia que visses o teu reflexo de todo e qualquer ângulo! O que se torna sinistro à noite mas…) Ok, eram para uso de todos os que estavam na Residência mas que interessa isso?
A cozinha era fantástica! Dava para as 3 pessoas que lá moravam jantarem juntas! (Que interessa que a casa tivesse una 20 quartos?) A servir de fogão, uma (sim, só uma, placa elétrica!) Mas também, quem precisa de cozinhar quando os armários têm espaço para pouco mais que chá e cereais?
Lindos, os corredores! Enormes e escuros, mais uma vez, como nos filmes de terror. Ao longo do corredor, imensas portas fechadas (os vários quartos desabitados!) Um segundo andar também ele desabitado. Tudo isso ajudava a alguma sensação de terror, sobretudo quando estava sozinha na mansão!
Mas era uma “casinha” acolhedora. Quentinha. Uns 40 graus com facilidade. Se não mais! A pequena sala de estar, adornada com dois sofás afundados na sua própria miséria, e uma televisão pequenina, pequenina, servia de sala de estar e sauna! Era de facto uma sala quente que doía!
Portanto, o meu filme de terror tinha tudo para acontecer. Batizamos a casa com o pomposo nome de “Cortiçô Palace”. Contudo, tenho belas memórias desse casarão! Nele passei momentos hilariantes (Como aquele em que fiquei fechada fora do meu próprio quarto, com a chave do lado de dentro) ou o momento em que “inventei” técnicas de arrefecimento da casa: garrafas geladas em frente de um termoventilador! Momentos de grande companheirismo (nas conversas tidas à varanda ou nos quartos das outras colegas) e que conseguiram criar um laço de amizade que se mantém para além do tempo e do espaço.

Do Cortiçô Palace ficou a presença de pessoas excecionais que tornaram os meus dias por aquele Alentejo bem mais simpático e divertido. Ficaram enormes gargalhadas. Momentos únicos relembrados sempre que nos encontramos (Como qualquer bom tuga, à volta de uma mesa!) Podíamos ter vivido aquela casa como uma verdadeira tragédia. Mas escolhemos tirar o que de melhor ela nos podia oferecer, sentindo-nos privilegiadas por ter essa experiência de vida e criámos uma comédia que ainda hoje é relembrada, sempre que nos encontramos, com grandes risadas! Relembrando uma máxima da fantástica série “This is Us”, pegámos em algo que era, no início, amargo e transformámo-la em algo parecido a uma limonada!

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