Penso que era Shakespeare quem
dizia que “À luz do tempo, toda a tragédia, à exceção da morte, vira comédia”. No
ano passado tive várias situações que, não sendo totalmente trágicas, tinham
alguns apontamentos de tragédia. E sem dúvida que hoje olho para trás e vejo
isso como uma enorme comédia que deu lugar a grandes gargalhadas. A minha
estadia no Cortiçô Palace foi, efetivamente uma tragicomédia que relembro com
(quase) saudade!
O ano letivo transato tive menos
sorte que o habitual nas colocações profissionais que o habitual e acabei por
ter de trabalhar em várias escolas diferentes. Na última escola onde trabalhei,
iniciei as minhas funções em junho! Não sendo propriamente às portas da
Covilhã, precisava de casa para pernoitar. Quando questionei a escola (a
direção) sobre a facilidade em arrendar casas/ quartos por lá, prontamente me
responderam que não havia problema uma vez que existia uma “Residência de
Professores” (Nome pomposo!). Considerei a ideia interessante ainda que temesse
que, numa altura dessas, já não houvesse quartos livres (ó quão enganada eu
estava!)
Depois das formalidades
necessárias e de conhecer a escola, um colega (digamos que seria o
administrador da dita “residência”) prontificou-se a apresentar-me a dita. Pelo
caminho foi-me informando (e hoje sei, preparando) para o tipo de casa e para o
estado de conservação da mesma. Comecei a ficar ligeiramente receosa mas,
tentando chamar-me à razão pensei: “What a hell! Se há colegas que vivem lá, eu
não sou uma mulher cheia de manias, hei-de viver lá, também, sem problemas de
maior! Deve estar a pintar isto de uma forma pior do que o que realmente é!”
Nunca esquecerei a primeira
imagem que tive da “mansão”: um jardim bonito e grande (raro, no meio de uma
cidade)…completamente abandonado, adquirindo um ar de jardim com lápides como
aparece nos filmes de terror! Ajudando esta minha ideia, a presença de um gato
de raça siamesa. Isso deveria ser um fator positivo, eu adoro gatos. Mas o
desgraçado do felino tinha um ar tão velho e doente que ajudava a todo aquele
ar de mansão abandonada e assombrada.
Subimos as escadas e fui
assaltada por um ligeiro cheiro a bolor que ainda me assustou mais! Ainda assim,
e corajosamente, segui em frente! Fui apresentada a um dos melhores quartos
(palavras do meu “guia”) uma vez que era dos mais espaçosos. Nem uma ponta de
humidade (coisa rara nos outros quartos, descobri mais tarde). Bem no centro,
uma caminha tão baixinha que, quando me sentei nela, fiquei com os joelhos
colados ao pescoço! Uma mesinha (-inha) de trabalho. A companhia de um beliche
que acabou por me servir de mesa de apoio! Desencantaram, num outro quarto,
lindas mesinhas de cabeceira. Um armário de parede de 3 portas (qual closet!)só
para mim! Uma vista direta para o jardim (Vista que não era interrompida nem
por cortinas, nem por persianas, uma vez que o quarto não as tinha!) E era esta
a minha suite! Escolhi ficar!
O resto da casa era fabuloso:
umas casas de banho dignas de um castelo: 5 sanitas! 5 cabines de duche! Uns 10
lavatórios, cada um adornado com o seu próprio espelho (o que permitia que
visses o teu reflexo de todo e qualquer ângulo! O que se torna sinistro à noite
mas…) Ok, eram para uso de todos os que estavam na Residência mas que interessa
isso?
A cozinha era fantástica! Dava
para as 3 pessoas que lá moravam jantarem juntas! (Que interessa que a casa
tivesse una 20 quartos?) A servir de fogão, uma (sim, só uma, placa elétrica!) Mas
também, quem precisa de cozinhar quando os armários têm espaço para pouco mais que
chá e cereais?
Lindos, os corredores! Enormes e
escuros, mais uma vez, como nos filmes de terror. Ao longo do corredor, imensas
portas fechadas (os vários quartos desabitados!) Um segundo andar também ele
desabitado. Tudo isso ajudava a alguma sensação de terror, sobretudo quando
estava sozinha na mansão!
Mas era uma “casinha” acolhedora.
Quentinha. Uns 40 graus com facilidade. Se não mais! A pequena sala de estar,
adornada com dois sofás afundados na sua própria miséria, e uma televisão
pequenina, pequenina, servia de sala de estar e sauna! Era de facto uma sala
quente que doía!
Portanto, o meu filme de terror
tinha tudo para acontecer. Batizamos a casa com o pomposo nome de “Cortiçô
Palace”. Contudo, tenho belas memórias desse casarão! Nele passei momentos
hilariantes (Como aquele em que fiquei fechada fora do meu próprio quarto, com
a chave do lado de dentro) ou o momento em que “inventei” técnicas de
arrefecimento da casa: garrafas geladas em frente de um termoventilador! Momentos
de grande companheirismo (nas conversas tidas à varanda ou nos quartos das
outras colegas) e que conseguiram criar um laço de amizade que se mantém para
além do tempo e do espaço.
Do Cortiçô Palace ficou a
presença de pessoas excecionais que tornaram os meus dias por aquele Alentejo
bem mais simpático e divertido. Ficaram enormes gargalhadas. Momentos únicos
relembrados sempre que nos encontramos (Como qualquer bom tuga, à volta de uma
mesa!) Podíamos ter vivido aquela casa como uma verdadeira tragédia. Mas
escolhemos tirar o que de melhor ela nos podia oferecer, sentindo-nos
privilegiadas por ter essa experiência de vida e criámos uma comédia que ainda
hoje é relembrada, sempre que nos encontramos, com grandes risadas! Relembrando
uma máxima da fantástica série “This is Us”, pegámos em algo que era, no
início, amargo e transformámo-la em algo parecido a uma limonada!
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