As Pessoas Sensíveis
Existe um fantástico poema da
Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulado “As pessoas sensíveis”. Não sendo
meu propósito analisar esse poema hoje (ainda que aconselhe vivamente que o
leiam!) irei apenas referir que, nele, Sophia denuncia aqueles que ela
considera hipócritas, que sugam o trabalho dos outros e que se apresentam, a
nível religioso, cheios de devoção. E é sobre pessoas hipócritas que hoje me
apetece tecer alguns comentários. Não propriamente aqueles que vivem do
trabalho dos outros e que se apresentam como “falsos santos” mas daqueles que
me sugam um pouco de vida, bem-estar e até de alegria pela sua forma de estar e
de ver a vida e por se apresentarem como, também eles, “falsos santos”.
A nossa vida está recheada de
pessoas hipócritas. As pessoas de que vou falar consideram, normalmente, que
ocupam uma certa posição na sociedade e que desempenham um certo papel nela.
Tenho por hábito identifica-los com uma imagem que me ficou das minhas aulas de
história: o baixinho e gordo pequeno-burguês. Claro que é apenas uma imagem
fictícia e que muitos dos que identifico não se assemelham, fisicamente, à
caracterização que acabo de fazer. Tem sobretudo a ver com uma certa forma de
estar na vida. São pessoas muito “sensíveis” que se preocupam com os problemas
de toda a gente e, sobretudo, com a forma de viver de cada um. Pessoas que se
preocupam com a moral. Pessoas que apontam o dedo na esperança que o dedo
acusador não lhes seja apontado a eles!
Não sejamos ingénuos. Não são
pessoas preocupadas com a vida dos outros por serem totalmente altruístas. Nada
disso. Gostam de estar aqui e ali, correr vários locais, falar com toda a gente
e incluir-se em todas as conversas, quais “libelinhas” para assim ter pleno
conhecimento da vida de toda a gente. Assim poderão fazer uma das coisas que
mais gosto lhes dá: tecer comentários (habitualmente pouco positivos) sobre
toda a gente.
São pessoas que raramente dizem o
que pensam sobre um assunto. Dizem o que se espera que eles digam. Por isso
tentam nunca entrar em conflito com ninguém. É claro que, pelas costas, outro
galo cantará. Munidos das preciosas informações que foram recolhendo aqui e
ali, irão usá-las a fim de mostrar o quão erradas são as outras pessoas e o
quantos eles são corretos, vivendo pelas regras! Por isso esses “sensíveis”
enchem o discurso de frases feitas como “a moral e os bons costumes”, o
“apresentar-se com decoro” e outras que tais. Apontam o dedo a todos aqueles
que fogem do estilo de vida que consideram correto (casamento, filhos, casa,
carro e cão). Os divorciados, os solteiros, os que escolheram a profissão antes
da relação, os que têm opções sexuais diferentes, os que vestem de um modo
diferente, os que têm a coragem de ser e fazer diferente, entre tantos outros,
são seres merecedores de desconfiança e de crítica. Afinal essa gente põe em
causa o estado das coisas! O mundo pode ficar desarrumado!
OS “livres” são pessoas que não
vivem de acordo com as regras pré-estabelecidas. O grande problema para “os
sensíveis” são essas pessoas que decidiram ser diferentes, decidiram quebrar as
regras. São corajosos que decidiram pegar a vida pelos cornos, como se de um
touro se tratasse, e que não aceitam que ela, a vida, lhes dê menos do que eles
merecem. Não se acomodam. Por isso têm coragem de lutar pela felicidade nem que
essa felicidade implique mudar de vida, mudar de cidade ou país,
divorciar…Vivem pelo que acham correto e provam que o mundo é cheio de cor. E
isso afronta os “sensíveis” que vêm o mundo a preto e branco. Para eles tudo é
muito bem definido, sejam cores, sejam regras, sejam formas de viver. Claro que
não poderão aceitar qualquer pessoa que lhes mostre que viver é misturar toda
uma série de tons, misturar as regras e obedecer apenas à mais importante: ser
feliz.
Os “sensíveis” consideram os
“livres” como uma ameaça ao seu mundinho construído com tanto cuidado. Por isso
o “livre” lhe causa tanta brotoeja. Esses seres cheios de liberdade podem
causar brechas naquela vida de fachada. Ao estarem de bem com a vida poderão
dar a entender aos outros que existem várias formas de ser feliz e que o
importante é viver. Poderão dar a entender que é legítimo recusar-se a viver um
dia atrás do outros sem ter outro objetivo que não seja o sobreviver a uma vida
sensaborona. Poderão dar a entender que a vida é para ser vivida e não
suportada. OS “livres” perceberam isso. Os “sensíveis” eventualmente terão
percebido mas falta-lhes a coragem para seguir essa máxima. E é por isso que os
“sensíveis” tanto criticam e apontam os dedos aos “livres”. Uns descobriram que
há um caminho a trilhar, pro vezes difícil, para ser feliz. Os outros
acomodaram-se a um papel que a sociedade lhes impôs. Sentaram-se a ver a vida
passar e revoltam-se quando vêm alguém em grande atividade a ser feliz, à sua
maneira.
O que realmente me incomoda nos
“sensíveis”? O embaterem contra mim com as suas ideias pré-concebidas e
roubarem-me, nem que seja por instantes, a minha paz e a minha alegria de
viver…Só por isso falo neles. Voltando ao poema da Sophia citado termino
dizendo: “Perdoai-lhes Senhor/ Porque eles sabem o que fazem”.
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