segunda-feira, 20 de março de 2017

Hoje, quando vinha na minha viagem da Beira para o Alentejo, bem a meio da IP2, não se vislumbrando nenhuma lugarejo por perto, vi caminhar a bom ritmo uma senhora de provecta idade. A forma como se apresentava  e andava demonstraram-me, com alguma facilidade, que me encontrava perante uma senhora idosa. Não pensem que a senhora que caminhava em bom ritmo o fazia por uma questão de prática de exercício físico. Pelo menos nada me leva a crer que seria essa a razão do caminhar. Nada de outfits desportivos e coloridos da moda, nada de bons ténis. Muito pelo contrário (e assumo que foi isso que me fez abrandar e olhar duas vezes para esta senhora). A senhora que caminhava apressada apresentava-se integralmente vestida de negro.  Com aquelas saias a meia perna, a que se sobrepôs um daqueles aventais que se atam à cintura. Acompanhava a saia e o avental o que me pareceu ser uma camisola, igualmente preta. As pernas, de certeza imaculadamente brancas por raramente (ou quiçá, nunca) terem visto sol eram tapadas por meias pretas. O todo era completado por uns sapatos pretos e um lenço na cabeça, também ele, preto. E assim caminhava aquela senhora, debaixo do sol da manhã, apoiada numa bengala, em sentido contrário ao meu, dirigindo-se sabe Deus para onde. O que me fez abrandar e observar tanto esta senhora? Fácil…a Saudade. No momento em que vi aquela senhora de preto vestida, ligeiramente curvada, apoiada na sua bengala, mas caminhando a bom ritmo, senti-me imediatamente transportada para o tempo em que as minhas avós eram vivas. Apesar de nada parecidas (uma era pequena e magra, a outra alta e mais opulenta) ambas as minhas avós (pelos desgostos que a vida lhes trouxe) trajavam assim de negro como esta senhora. Verão ou inverno, pouco importava e poucas alterações havia na roupa que usavam. Nunca as vi sem umas meias que cobrissem, pelo menos, até ao joelho. Como dizia a minha avó Antónia,” o que tapa o frio, tapa o calor, filha!”
Quando me imagino como uma senhora idosa (sim, eu faço esse exercício!) nunca o faço imaginando-me parecida com as minhas avós. Pelo contrário, penso em mim como aquela avozinha bem-disposta que não tem qualquer problema em continuar a usar cor-de-rosa ou roxo! Mas a verdade é que esta senhora trajada de negro me fez lembrar das minhas avós. Ambas, tal como a maioria das mulheres que vestiam de negro, eram mulheres do campo, donas de uma força física e psicológica invejável, que encaravam todos os dias como uma luta a travar e a vencer. Eram mulheres lutadoras, de fibra, um dos pilares da família. Tal como esta senhora, também elas se metiam à estrada (muitas vezes com cestos à cabeça, que mantinham num milagroso equilíbrio) não apresentando dificuldades em calcorrear quilómetros a fio. Lembro da confusão que me causava, quando chegava de terras gaulesas para umas férias por cá, a imagem deste bando de mulheres vestidas de preto. Lembro do difícil que foi ver as minhas avós começar a envergar essa cor para nunca mais a largar. Mas a verdade que é essa a imagem que me ficou. E hoje, ao ver aquela senhora caminhar, foi como se as visse, a ambas, por aquela estrada. Assumo que por momentos o coração se apertou de saudade. Mas, em seguida, veio o sorriso, a lembrança daquelas duas senhoras tão diferentes mas que tão importantes foram na minha vida e a lembrança dos muitos bons momentos bons que passei com elas. Agradeci o facto de ainda existirem pessoas a trajar desta forma e o facto de me ter cruzado com ela por me permitir essa viagem a bons momentos que já se foram.

Pensando sobre o assunto, concluo que, provavelmente, nunca serei uma destas senhoras de idade toda trajada de negro. Verifico que esta forma de vestir é uma imagem do nosso país que está, paulatinamente, a desaparecer. Não deixo de sentir pena por isso. Mas, apesar de achar que não teremos herdado essa forma de vestir e de expressar a tristeza espero que tenhamos herdado de todas “as nossas avós” a força e a coragem de viver que elas não deixam de representar.

Sem comentários:

Enviar um comentário