Hoje, quando vinha na minha
viagem da Beira para o Alentejo, bem a meio da IP2, não se vislumbrando nenhuma
lugarejo por perto, vi caminhar a bom ritmo uma senhora de provecta idade. A forma
como se apresentava e andava demonstraram-me,
com alguma facilidade, que me encontrava perante uma senhora idosa. Não pensem
que a senhora que caminhava em bom ritmo o fazia por uma questão de prática de
exercício físico. Pelo menos nada me leva a crer que seria essa a razão do
caminhar. Nada de outfits desportivos e coloridos da moda, nada de bons ténis. Muito
pelo contrário (e assumo que foi isso que me fez abrandar e olhar duas vezes
para esta senhora). A senhora que caminhava apressada apresentava-se
integralmente vestida de negro. Com aquelas
saias a meia perna, a que se sobrepôs um daqueles aventais que se atam à
cintura. Acompanhava a saia e o avental o que me pareceu ser uma camisola,
igualmente preta. As pernas, de certeza imaculadamente brancas por raramente
(ou quiçá, nunca) terem visto sol eram tapadas por meias pretas. O todo era
completado por uns sapatos pretos e um lenço na cabeça, também ele, preto. E assim
caminhava aquela senhora, debaixo do sol da manhã, apoiada numa bengala, em
sentido contrário ao meu, dirigindo-se sabe Deus para onde. O que me fez
abrandar e observar tanto esta senhora? Fácil…a Saudade. No momento em que vi
aquela senhora de preto vestida, ligeiramente curvada, apoiada na sua bengala,
mas caminhando a bom ritmo, senti-me imediatamente transportada para o tempo em
que as minhas avós eram vivas. Apesar de nada parecidas (uma era pequena e
magra, a outra alta e mais opulenta) ambas as minhas avós (pelos desgostos que
a vida lhes trouxe) trajavam assim de negro como esta senhora. Verão ou
inverno, pouco importava e poucas alterações havia na roupa que usavam. Nunca as
vi sem umas meias que cobrissem, pelo menos, até ao joelho. Como dizia a minha
avó Antónia,” o que tapa o frio, tapa o calor, filha!”
Quando me imagino como uma
senhora idosa (sim, eu faço esse exercício!) nunca o faço imaginando-me parecida
com as minhas avós. Pelo contrário, penso em mim como aquela avozinha bem-disposta
que não tem qualquer problema em continuar a usar cor-de-rosa ou roxo! Mas a verdade
é que esta senhora trajada de negro me fez lembrar das minhas avós. Ambas, tal
como a maioria das mulheres que vestiam de negro, eram mulheres do campo, donas
de uma força física e psicológica invejável, que encaravam todos os dias como
uma luta a travar e a vencer. Eram mulheres lutadoras, de fibra, um dos pilares
da família. Tal como esta senhora, também elas se metiam à estrada (muitas
vezes com cestos à cabeça, que mantinham num milagroso equilíbrio) não
apresentando dificuldades em calcorrear quilómetros a fio. Lembro da confusão
que me causava, quando chegava de terras gaulesas para umas férias por cá, a
imagem deste bando de mulheres vestidas de preto. Lembro do difícil que foi ver
as minhas avós começar a envergar essa cor para nunca mais a largar. Mas a
verdade que é essa a imagem que me ficou. E hoje, ao ver aquela senhora
caminhar, foi como se as visse, a ambas, por aquela estrada. Assumo que por
momentos o coração se apertou de saudade. Mas, em seguida, veio o sorriso, a
lembrança daquelas duas senhoras tão diferentes mas que tão importantes foram
na minha vida e a lembrança dos muitos bons momentos bons que passei com elas. Agradeci
o facto de ainda existirem pessoas a trajar desta forma e o facto de me ter
cruzado com ela por me permitir essa viagem a bons momentos que já se foram.
Pensando sobre o assunto, concluo
que, provavelmente, nunca serei uma destas senhoras de idade toda trajada de
negro. Verifico que esta forma de vestir é uma imagem do nosso país que está,
paulatinamente, a desaparecer. Não deixo de sentir pena por isso. Mas, apesar
de achar que não teremos herdado essa forma de vestir e de expressar a tristeza
espero que tenhamos herdado de todas “as nossas avós” a força e a coragem de
viver que elas não deixam de representar.
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