Existe um muro na minha cidade
que vê escrito em letras garrafais a seguinte frase: “Ensinas-me a olhar para
ti sem querer beijar-te?” Não sei a quem a escreveu. A assinatura parece-me de
um/ uma certo(a) JP sendo “o” (vou optar por achar que é um homem) JP o autor
de mais algumas frases espalhadas pela Covilhã e arredores tais como “Liberdade?
Quero a prisão dos teus braços” e “Faz as malas! Fugimos hoje!”. Claramente
este JP será uma pessoa apaixonada levando-o essa paixão a expressar-se pelas
ruas das cidades.
Gosto de todas essas frases (gosto
de ler a “poesia” e os sentimentos espalhados por aí) mas assumo que a “Ensinas-me
a olhar para ti sem querer beijar-te” é a minha preferida. Gosto e
identifico-me. Há sempre alguém na nossa vida, digo eu, que nos faz sentir
assim. Ou porque nunca pertenceu à nossa vida e gostaríamos que tivesse
pertencido ou, pelo contrário, porque em determinado momento das nossas vidas
essa pessoa fez parte mas não faz mais. Neste caso vou falar da segunda
situação: pessoas que pertenceram, em determinado momento, ao nosso presente. Pessoas
especiais que, ao terem passado pela nossa vida, criaram uma ligação que se
tornou inquebrável. Existe, em alguns casos, encontros entre duas pessoas que
criam uma energia (positiva, sem dúvida) que não desaparece nunca por mais que
o tempo passe e por mais que não se alimente esses encontros e reencontros. Uma
troca de olhares e o tempo fica em suspenso, deixando um raio de luz e energia
passar. Quanto a mim isso tem uma explicação: são almas que se reconhecem e se
tocam!Penso que são almas que pertenceram à vida um do outro em muitas outras
vidas e, por isso, se reconhecem em qualquer tempo e lugar. São essas pessoas/
almas especiais que fazem que nos sintamos sempre acolhidos, aconchegados e em
casa quando estamos com eles. São aquelas pessoas que nos fazem sentir que os
ombros são largos o suficiente para acolher a nossa alma cansada e desgastada e
assim possamos descansar nesse ombro largo. São aquelas pessoas que nos fazem
pensar que nada no mundo é impossível. E, por fim, são aquelas pessoas que,
quando vemos, queremos sempre abraçar e beijar, percebendo que, finalmente
podemos abrandar o ritmo porque a nossa alma reencontrou o lugar que procurava.
Podemos encontrar essa “alma gémea” num amigo, num amante, num irmão… A única
coisa que é certa é esse bem-estar que ela nos transmite, essa paz e essa
vontade de a abraçar.
Contudo, como o tempo e o lugar
nem sempre são propícios às vontades e necessidades da nossa alma, por vezes,
as almas andam desavindas por aí. A ligação, que seria natural, deixa de poder
existir. Mas o elo de ligação está lá. E, quando se encontram, quando existe a
troca de olhares, surge essa energia e essa vontade do beijo, do abraço, essa
força que indica que as almas se reencontraram. E surge então a questão no
fundo do olhar: “Ensinas-me a olhar para ti sem querer beijar-te?”. No fundo, e
esperando um gesto nobre do outro perguntamos: “ensinas a minha alma a viver sem a tua?”
É assim que interpreto essa frase
escrita num muro da Covilhã. É isto que penso sempre que a leio. E assumo que
sempre que passo os olhos por ela, um ligeiro sorriso nasce nos meus lábios
gerado por um monte de recordações (desta e doutras vidas, quem sabe?) que
afloram à minha memória. E, por momentos, a alma volta a sentir aquele
sentimento quentinho e aconchegante que a faz sentir-se em casa.
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