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A lareira…e os pequenos grandes prazeres que ela nos traz!
Existem prazeres que considero
estarem intimamente relacionados à província. O prazer de estar sentado a uma
lareira é um deles.
Nasci em França. Vivi os
primeiros anos da minha infância numa zona do país bastante fria, que não raras
vezes nos brindava com neve. O frio, na rua, era cortante. É uma das
recordações que tenho. Mas, em casa, o ambiente era para lá de quente.
Aquecimento central em todas as divisões, temperaturas a fazer lembrar mais
facilmente o verão que o inverno que se passeava lá fora. Contudo, não possuía
lareira. Apenas uns radiadores de parede, alimentados, na época, a gasóleo, que
traziam uma sensação de enorme calor mas que não ofereciam aquela sensação de
aconchego que uma lareira nos pode trazer.
“Conheci” as lareiras e as suas
qualidades, mais tarde, quando passei a viver em Portugal. Não só a nossa casa
tinha lareiras como as casas dos meus avós também as tinham. É claro que já as
tinha visto antes. Mas apenas as via no verão, sem lume, um local arrumado a um
canto ocupado por umas quantas panelas de ferro fora de uso naquela época.
Lembro a estranheza que se apoderou de mim a primeira vez que senti frio em Portugal.
Eu conhecia o Portugal das férias, o do mês de agosto, aquele em que está
sempre sol, não chove e não faz frio. A ideia de frio, da necessidade de
acender uma lareira, não se coadunava com essa imagem que tinha criado ao longo
dos meus primeiros anos de vida. Assumo que os primeiros anos em Portugal foram
de invernos difíceis. Claramente a temperatura dentro das casas não era aquela
a que estava habituada em França. Nem a nossa casa, nem as casas dos meus avós
estavam apetrechadas com aquecimento central. Penso que não era ainda muito
usual, no país de início dos anos 80, o aquecimento central. Possuíamos uns
radiadores nos quartos e o centro da casa, o local onde todos nos reuníamos,
era a lareira – estivesse ela na cozinha, ou na sala de estar, o certo é que
era lá que nos reuníamos para aquecer o corpo e, descobri mais tarde, aquecer a
alma.
Descobri o prazer de estar
sentada a uma lareira, a observar serenamente o tempo passar, com as minhas
avós. No inverno, muito do dia era passado à lareira. O lume (como se diz por
cá) era aceso logo de manhã. As minhas avós ainda cultivaram o cozinhar em
panelas de ferro, lentamente, usando o lume. Por isso ele era presença
constante, da manhã à noite. Mas era as tardes que me agradavam. Chegar da
escola e tomar o lanche à lareira era um prazer que descobri nessa época. O chá
(imprescindível na hora do lanche) sabia melhor quando sentada, nas pequenas
cadeiras de palha, feitas de propósito naquele pequeno tamanho para nos
podermos aproximar do lume e nos aquecermos convenientemente. A acompanhar o
chá vinham as torradas de lume (que ainda hoje considero daquelas coisas
simples mas que são maravilhosas!) Lanche terminado, ali ficávamos a ver o dia
findar, a luz dar lugar à noite e à lua, enquanto contávamos o nosso dia, as
peripécias que poderiam ter acontecido ou se desfiavam memórias (as minhas avós)
de tempos da juventude. E, por vezes, apenas ficávamos em silêncio, a observar
as chamas, a ouvir o crepitar da lenha a arder. E foi nesses silêncios que
percebi que a lareira e o lume fazem companhia. Não te sentes só quando tens o
lume a arder. Ele é uma companhia quer estejas acompanhada ou sozinha. Quem
nunca leu um livro junto à lareira? Quem nunca se deixou embalar pelo calor que
dela emana e dormitou, apreciando o seu calor? Quem nunca bebericou um vinho ou
uma jeropiga (tão nossa!) observando o dançar das chamas? Quem nunca viu um
filme de “sábado à tarde” (Aqueles filmes que pouco te interessam mas que vês,
em estado semivegetativo) apenas porque se sentia quentinho à lareira, apesar
do frio imenso lá fora? E ainda, quem nunca ao observar um bom lume numa
lareira, deu por si, de algum modo, a meditar, a limpar a mente, a pensar sobre
a vida e, sobretudo, a procurar alguma serenidade?
Por outro lado, a lareira e o
lume são os grandes companheiros para quando estás em companhia. Haverá algo
melhor que os petiscos com amigos à volta de uma lareira? As conversas fiadas, as
horas perdidas, enquanto se assa e saboreia uma morcela ou uma chouriça, são um
programa ótimo para as tardes e noites de inverno. E se a companhia for a nossa
cara-metade? Também a lareira será um poderoso aliado, desta feita, na criação
de um ambiente propício ao romantismo (todos nós teremos a cabeça povoada de
imagens de chalés na montanha e uma lareira, penso eu!)
Sou capaz de ficar horas sentada
à lareira: a pensar na vida, observando a dança das chamas a aumentar ou a
diminuir, a mudar as suas tonalidades, a apreciar o seu calor e a sua
companhia, a petiscar (quem nunca comeu laranjas à lareira perdeu um pouco de
céu!), a deixar-me envolver pelo seu calor bom, aconchegante. E isto porque gosto
de um bom lume, de um lume que me aqueça o corpo e a alma. O lume faz-me
sentir, nem sei bem porquê, em companhia e em segurança. Faz-me sentir bem. Penso
que não serei a única…
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