“Os sistemas de
castas nas escolas”
Penso que todos aqueles me vão
acompanhando por aqui, pela minha “Steff’s World – A Soma dos Dias” saberão que
sou uma professora contratada. E sim, é esse o meu título: Professora
contratada! Não apenas professora. A denominação “professora” é demasiado
vasta. Abarca professores de várias idades, de várias condições. Por isso, tivemos
que arranjar formas de especificar de que professores estávamos a falar,
criando estes subtítulos: professor contratado, professor de QZP (Quadro de
Zona Pedagógica), professor de quadro (de determinada escola). No fim de toda
esta linhagem poderia ainda citar o professor estagiário, que se encontra bem
no fundinho desta hierarquia.
Como professora contratada
(poderia dizer há quantos anos mas isso levaria o caro leitor a fazer contas,
tentando adivinhar a minha idade…e simplesmente, isso não me apetece…) tenho
conhecido imensas escolas. Umas mais acolhedoras, outras menos mas, a verdade é
que em todas podemos encontrar com facilidade a estratificação dos professores.
Essa estratificação é bem clara a vários níveis e facilmente reconhecível nas
salas dos professores. Diria, de um modo um nadinha exagerado e necessariamente
irónico, que nas escolas nos encontramos perante um verdadeiro sistema de
castas. Uma verdadeira divisão social que coloca cada um no seu lugar, não
permitindo (sob pena de ser apontado a dedo) a transferência de uma casta para
a outra. Analisemos então essas diferentes classes:
Comecemos pela casta mais alta, a
dos “Brâmanes” que é constituída, obviamente, pelos professores de quadro de
escola, aqueles bem antigos. São aqueles ilustres professores que são muitas
vezes intitulados pelos alunos, de um modo carinhoso como o/a velho(a). São
esses que fazem parte de uma escola que se regia por outras regras. Aqueles
ilustres que se permitiam tirar férias para “ir à neve”. Professores que percebem
a escola como parte da sua casa e por isso consideram que podem mandar e
“desmandar” nela. E portanto, são aqueles professores que têm a sua própria
mesa, na sala dos professores, à qual não te podes sentar, a menos que sejas
convidado. São aqueles colegas que passam o ano a ignorar-te porque têm o seu
próprio grupo de amigos constituído. Professores que te tratam por colega por
ser mais fácil do que tentar decorar o nome de mais um colega que, “assim
com’assim” irá embora no final do ano. Verdadeiros dinossauros, fazem um pouco
como lhes apetece. Não querem cargos nem nada que dê muito trabalho para além
de dar as aulas. Por vezes gostam de mostrar alguma dificuldade em atualizar-se
por ser mais fácil, deste modo, escusar-se a fazer tarefas. Os brâmanes estão
na posição mais elevada, são a casta mais alta. Por isso, é aquela que se
encontra mais próxima dos deuses. Nesta minha metáfora obviamente que os deuses
serão os elementos da direção. E porque estão mais próximo, e porque estes
senhores têm mais vida para além da profissão, as direções acabam por lhes
tentar atribuir turmas pouco problemáticas, cargos pacíficos, para que
continuem a levar o seu trabalhinho de forma ligeira, como se a sua profissão
fosse um pormenor nas suas vidas ocupadas.
Descendo um pouquinho na
hierarquia social das escolas, encontramos os Xátrias. Na minha imagem metafórica,
são os Quadros de Zona Pedagógica. São aqueles que militam pela causa da
escola. Não são os doutos habitantes da escola desde os ano 80. Mas já têm uma
outra posição. Correndo bem, passam 4 anos em cada estabelecimento. Levam algum
tempo a adaptar-se. Mas, quando se adaptam, são a força trabalhadora. No final
de um ano já conhecem a escola e, por isso, são eles que ocupam os cargos com
alguma carga de trabalho. São os diretores de turma, os coordenadores dos
vários projetos. Começam a sentir a escola como deles e tentam melhorar os
resultados. Acreditam ainda na causa da educação. Estes têm a mesa ao lado dos
dinossauros e vão sendo reconhecidos pelos Brâmanes. Por isso, e quando
necessário, fazem a ponte entre os Brâmanes e a casta que se segue aos Xátrias
que é a dos Vaixás.
Os Vaixás são os professores
contratados. Os que se encontram quase no fundo da hierarquia. Aqueles a quem
muitas vezes não é digno sequer dirigir palavra. Estes são “o colega” que
poderá ser útil em determinada altura pelos seus conhecimentos de informática
(normalmente bem mais abrangentes que os das castas anteriores). Por isso há
por vezes uma certa simpatia condescendente para com o contratado e o
dinossauro dirige-lhe a palavra: Ah, vocês, “jovens” têm uma vida complicada!!
Eu não saía de casa, não vinha para tão longe para receber estes trocos! E a
isto se resumirá a interação entre uns e outros Estes contratados terão uma
mesa só deles, não havendo misturas com as castas anteriores, se a dimensão da
sala o permitir. Se a sala for pequena, terá uma de duas hipóteses. Aproveitar
o “intervalo grande” para fumar fora da escola…ou puxar por uma cadeira para
tentar se integrar, assim como quem nada quer…
No fundo da hierarquia
encontramos os “Sudras”. Esses são o professor contratado mas que ainda é muito
novo, terá feito estágio num ano anterior, ou aquele que vem substituir um
colega por um mês. Sobre este caem todas as suspeitas: não tem mão para estes
alunos! Será que tem experiência? Saberá do que vem falar?! E esse desgraçado,
provavelmente, entrará e sairá da escola sem que tenham reparado que ali esteve
um colega a trabalhar por um ou dois meses.
Isto é o que se passa numa escola
dita “normal” e de grandes medidas. Nada do que se passa em Avis aqui no meu
canto. Os “deuses” aqui não são deuses. Estamos perante uma direção que desde o
primeiro momento em que cheguei, até ao último, se mostrou próxima de todas as
castas. Uma direção que desde o primeiro momento decorou o meu nome e me tratou
como uma colega da escola. Um cantinho onde não existe a mesa dos dinossauros.
Existe a mesa onde se toma café e onde não se fala em trabalho. A mesa onde
quem falar em trabalho paga uma multa. Uma mesa onde se decidiu que, durante um
intervalo, há que esquecer que somos professores e falar e rir sobre tudo e
nada. Uma casa onde os dinossauros não são dinossauros e lidam com os colegas
de qualquer casta. Assim eles se queiram integrar. Sou contratada e vinha para
uma substituição. Nunca fui tratada como aquela que pertence a uma casta
inferior. Escolhi fazer parte e senti que fiz parte. Senti-me bem. Disseram, em
tempos, que sou especial. Talvez tenha sido. A escola também o foi. Talvez o
pensamento não seja o mesmo para todos…tenho certeza disso. Mas esse é o meu
testemunho. O testemunho de uma Sudra que se sentiu que fez parte de uma escola
onde as castas foram abolidas.
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