quinta-feira, 6 de julho de 2017

“Os sistemas de castas nas escolas”
Penso que todos aqueles me vão acompanhando por aqui, pela minha “Steff’s World – A Soma dos Dias” saberão que sou uma professora contratada. E sim, é esse o meu título: Professora contratada! Não apenas professora. A denominação “professora” é demasiado vasta. Abarca professores de várias idades, de várias condições. Por isso, tivemos que arranjar formas de especificar de que professores estávamos a falar, criando estes subtítulos: professor contratado, professor de QZP (Quadro de Zona Pedagógica), professor de quadro (de determinada escola). No fim de toda esta linhagem poderia ainda citar o professor estagiário, que se encontra bem no fundinho desta hierarquia.
Como professora contratada (poderia dizer há quantos anos mas isso levaria o caro leitor a fazer contas, tentando adivinhar a minha idade…e simplesmente, isso não me apetece…) tenho conhecido imensas escolas. Umas mais acolhedoras, outras menos mas, a verdade é que em todas podemos encontrar com facilidade a estratificação dos professores. Essa estratificação é bem clara a vários níveis e facilmente reconhecível nas salas dos professores. Diria, de um modo um nadinha exagerado e necessariamente irónico, que nas escolas nos encontramos perante um verdadeiro sistema de castas. Uma verdadeira divisão social que coloca cada um no seu lugar, não permitindo (sob pena de ser apontado a dedo) a transferência de uma casta para a outra. Analisemos então essas diferentes classes:
Comecemos pela casta mais alta, a dos “Brâmanes” que é constituída, obviamente, pelos professores de quadro de escola, aqueles bem antigos. São aqueles ilustres professores que são muitas vezes intitulados pelos alunos, de um modo carinhoso como o/a velho(a). São esses que fazem parte de uma escola que se regia por outras regras. Aqueles ilustres que se permitiam tirar férias para “ir à neve”. Professores que percebem a escola como parte da sua casa e por isso consideram que podem mandar e “desmandar” nela. E portanto, são aqueles professores que têm a sua própria mesa, na sala dos professores, à qual não te podes sentar, a menos que sejas convidado. São aqueles colegas que passam o ano a ignorar-te porque têm o seu próprio grupo de amigos constituído. Professores que te tratam por colega por ser mais fácil do que tentar decorar o nome de mais um colega que, “assim com’assim” irá embora no final do ano. Verdadeiros dinossauros, fazem um pouco como lhes apetece. Não querem cargos nem nada que dê muito trabalho para além de dar as aulas. Por vezes gostam de mostrar alguma dificuldade em atualizar-se por ser mais fácil, deste modo, escusar-se a fazer tarefas. Os brâmanes estão na posição mais elevada, são a casta mais alta. Por isso, é aquela que se encontra mais próxima dos deuses. Nesta minha metáfora obviamente que os deuses serão os elementos da direção. E porque estão mais próximo, e porque estes senhores têm mais vida para além da profissão, as direções acabam por lhes tentar atribuir turmas pouco problemáticas, cargos pacíficos, para que continuem a levar o seu trabalhinho de forma ligeira, como se a sua profissão fosse um pormenor nas suas vidas ocupadas.
Descendo um pouquinho na hierarquia social das escolas, encontramos os Xátrias. Na minha imagem metafórica, são os Quadros de Zona Pedagógica. São aqueles que militam pela causa da escola. Não são os doutos habitantes da escola desde os ano 80. Mas já têm uma outra posição. Correndo bem, passam 4 anos em cada estabelecimento. Levam algum tempo a adaptar-se. Mas, quando se adaptam, são a força trabalhadora. No final de um ano já conhecem a escola e, por isso, são eles que ocupam os cargos com alguma carga de trabalho. São os diretores de turma, os coordenadores dos vários projetos. Começam a sentir a escola como deles e tentam melhorar os resultados. Acreditam ainda na causa da educação. Estes têm a mesa ao lado dos dinossauros e vão sendo reconhecidos pelos Brâmanes. Por isso, e quando necessário, fazem a ponte entre os Brâmanes e a casta que se segue aos Xátrias que é a dos Vaixás.
Os Vaixás são os professores contratados. Os que se encontram quase no fundo da hierarquia. Aqueles a quem muitas vezes não é digno sequer dirigir palavra. Estes são “o colega” que poderá ser útil em determinada altura pelos seus conhecimentos de informática (normalmente bem mais abrangentes que os das castas anteriores). Por isso há por vezes uma certa simpatia condescendente para com o contratado e o dinossauro dirige-lhe a palavra: Ah, vocês, “jovens” têm uma vida complicada!! Eu não saía de casa, não vinha para tão longe para receber estes trocos! E a isto se resumirá a interação entre uns e outros Estes contratados terão uma mesa só deles, não havendo misturas com as castas anteriores, se a dimensão da sala o permitir. Se a sala for pequena, terá uma de duas hipóteses. Aproveitar o “intervalo grande” para fumar fora da escola…ou puxar por uma cadeira para tentar se integrar, assim como quem nada quer…
No fundo da hierarquia encontramos os “Sudras”. Esses são o professor contratado mas que ainda é muito novo, terá feito estágio num ano anterior, ou aquele que vem substituir um colega por um mês. Sobre este caem todas as suspeitas: não tem mão para estes alunos! Será que tem experiência? Saberá do que vem falar?! E esse desgraçado, provavelmente, entrará e sairá da escola sem que tenham reparado que ali esteve um colega a trabalhar por um ou dois meses.

Isto é o que se passa numa escola dita “normal” e de grandes medidas. Nada do que se passa em Avis aqui no meu canto. Os “deuses” aqui não são deuses. Estamos perante uma direção que desde o primeiro momento em que cheguei, até ao último, se mostrou próxima de todas as castas. Uma direção que desde o primeiro momento decorou o meu nome e me tratou como uma colega da escola. Um cantinho onde não existe a mesa dos dinossauros. Existe a mesa onde se toma café e onde não se fala em trabalho. A mesa onde quem falar em trabalho paga uma multa. Uma mesa onde se decidiu que, durante um intervalo, há que esquecer que somos professores e falar e rir sobre tudo e nada. Uma casa onde os dinossauros não são dinossauros e lidam com os colegas de qualquer casta. Assim eles se queiram integrar. Sou contratada e vinha para uma substituição. Nunca fui tratada como aquela que pertence a uma casta inferior. Escolhi fazer parte e senti que fiz parte. Senti-me bem. Disseram, em tempos, que sou especial. Talvez tenha sido. A escola também o foi. Talvez o pensamento não seja o mesmo para todos…tenho certeza disso. Mas esse é o meu testemunho. O testemunho de uma Sudra que se sentiu que fez parte de uma escola onde as castas foram abolidas.

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