"Renascer das Cinzas" (Texto publicado na Revista "Capazes")
Todos os dias me têm servido como
prato principal, ao almoço e ao jantar, o drama de Pedrógão. E o facto é que,
entre o almoço e o jantar, poderia ter algum descanso mas tenho o péssimo
hábito de circular pelas redes sociais! Aí recebo mais um prato cheio de drama.
E tenho a dizer uma coisa: estou a ficar saturada deste tema! Não comecem a
puxar já pelas foices e pelas catanas, não me guilhotinem sem mais apelos!
Ofereçam-me um pouco do vosso tempo, permitam-se ler a minha explicação sobre
esta “gastura” e depois então, se acharem por bem…puxem das catanas!!
O incêndio de Pedrógão, e pelos
vistos, até o de Góis, estão finalmente extintos. Contudo sabemos que o tema,
esse, durará, por mais umas boas semanas. Como já referi antes (noutra crónica),
ouviremos falar desta verdadeira tragédia, até que uma outra, maior ou de
iguais proporções, chegue até nós. E acreditem que, infelizmente, chegará, mais
dia, menos dia, a notícia de um acidente, de um massacre, de algo que irá fazer
a nossa atenção finalmente, transferir-se para outra situação. O que me dá
enorme “gastura” (como quem diz, enorme irritação), obviamente, não é o drama
em si mas a cobertura que os média portugueses têm feito desta verdadeira
tragédia. Honra lhes seja feita, eles conseguem encontrar temas onde já não há
mais nada a dizer ou a fazer. Este aproveitar da desgraça alheia incomoda-me de
um modo difícil de explicar. Nem irei falar do horror que vimos nas televisões
durante o fim-de-semana. Quero acreditar que estar presente naquele verdadeiro
palco de guerra retira o discernimento a qualquer um. Quero acreditar que, na ânsia
de querer mostrar a dimensão do acontecimento se procurem as imagens mais
chocantes, as que mais revelam sobre tudo o que se passou. Sobre o mau gosto de
se fazer filmar junto a cadáveres (como no caso da Judite de Sousa) nem me vou
pronunciar. É demasiado mau sequer para ser referido (nesse triste momento da jornalista
apenas me alegra perceber que vários telespetadores apresentaram queixa sobre
essa total falta de bom senso). Contudo, passado este primeiro momento de
horror, em que a todos faltou o bom senso, questiono: haveria necessidade de
continuar a mostrar certas imagens? Haveria necessidade de mostrar os corpos de
animais calcinados, obrigando-nos a fazer a analogia com corpos humanos? Haverá
necessidade de conhecer e expor o rosto das pessoas que faleceram? Essa
exposição irá auxiliar os que sobreviveram a superar a dor? Haverá necessidade
de continuar a procurar atores para ilustrar toda esta tragédia? A minha única
explicação é que estes jornalistas procuram, em vez de nos oferecer verdadeiras
notícias úteis, oferecer-nos, ao jantar, verdadeiras novelas. Tudo começa
quando nos são apresentadas as personagens. Procura-se aquele que tenha perdido
família, a casa, de preferência, tudo. Coloca-se o/ a senhor/ senhora, que
ainda não tem uma noção clara de tudo o que aconteceu, em frente a uma câmara
(de filmar ou fotográfica, tanto dá). E explora-se a desgraça alheia. Hoje vi o
seguinte título “Perdeu o ouro e o vestido de noiva!” juntamente com a foto de
uma pobre senhora que, provavelmente, ainda não caiu em si, com toda esta
desgraça. Certo, era no “Observador”. Vale o que vale. Mas, ainda assim, será
normal este explorar da miséria? Assumo que abri o artigo. Queria ver onde
chegaria a informação. E aí pude ler que ardeu um vestido de noiva, que se
guardava numa mala, assim como a cadeira de rodas do filho, que falecera há 6
anos (pormenores que sim, puxam ao sentimento. Seriam eles necessários? Não…) Ao
voltar a sua casa, depois de extinto o fogo (uma casa que escapou ao incêndio)
descobriu que lhe tinham roubado uma caixa com todas as suas peças de ouro. Esta
exploração do sofrimento da “personagem” com vista a provocar a empatia no
espetador é totalmente característico das novelas. Procuram a emoção e a
comoção do espetador. De notícia, apenas teremos o facto de existirem amigos do
alheio mal formados que se aproveitam da desgraça alheia! Todo o resto é
folclore de mau gosto.
Como é óbvio, as novelas, cedo ou tarde,
acabam bem. E nós queremos acreditar nisso. E por isso ajudamos da forma que
estamos a ajudar. Queremos dar um final feliz a esta novela por demais
dramática. Não vou criticar toda a ajuda que tem existido. Não o poderia fazer.
Estamos a mostrar que quando nos unimos por uma causa, não movemos uma montanha
porque não nos lembrámos disso. Vejo as pessoas preocupadas com o outro, com os
animais, com a tentativa de minimizar este horror. Vejo que, pela primeira vez,
todos os canais públicos televisivos se uniram por uma causa. Vejo os artistas,
que tanta importância têm no publicitar da necessidade de ajudar, a dar a cara
por esta causa. Não é o final feliz da novela mas é uma espécie de final de
temporada. Nada está terminado, muito fica em aberto, mas há um concluir de
alguns aspetos. Incêndio terminado, prejuízos em avaliação… O que há a esperar
da nova série? Aquilo que já se tem prenunciado. Como disse uma amiga minha de
Castanheira de Pera, agora é preciso é “arregaçar as mangas”. Tentar apagar os
vestígios da tragédia. A reconstrução das casas, a reconstrução das famílias,
tanto quanto possível. A paisagem, essa, levará mais umas “quantas séries” para
se renovar, para voltar à sua beleza original.
No fundo, o que é preciso é dar
vida ao verbo “esperançar” – esperar que a partir desta tragédia venha o
melhor: melhor ordenamento da floresta, maiores cuidados na plantação de
árvores (o que se planta, como se planta). Esperar que, por difícil que seja,
as vítimas se consigam reerguer deste horror vivido. Tudo isto só será possível
de adquirir com a esperança, tão característica dos portugueses. O que podemos
fazer hoje? Esperançar. Esperançar num futuro menos negro. Esperançar que a
nossa classe jornalística se torne menos sensacionalista, mais verdadeira. O
que nos resta neste momento é apenas isto: esperançar que venha algo de bom.
Apenas…esperançar.
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