terça-feira, 27 de junho de 2017

"Renascer das Cinzas" (Texto publicado na Revista "Capazes")

Todos os dias me têm servido como prato principal, ao almoço e ao jantar, o drama de Pedrógão. E o facto é que, entre o almoço e o jantar, poderia ter algum descanso mas tenho o péssimo hábito de circular pelas redes sociais! Aí recebo mais um prato cheio de drama. E tenho a dizer uma coisa: estou a ficar saturada deste tema! Não comecem a puxar já pelas foices e pelas catanas, não me guilhotinem sem mais apelos! Ofereçam-me um pouco do vosso tempo, permitam-se ler a minha explicação sobre esta “gastura” e depois então, se acharem por bem…puxem das catanas!!
O incêndio de Pedrógão, e pelos vistos, até o de Góis, estão finalmente extintos. Contudo sabemos que o tema, esse, durará, por mais umas boas semanas. Como já referi antes (noutra crónica), ouviremos falar desta verdadeira tragédia, até que uma outra, maior ou de iguais proporções, chegue até nós. E acreditem que, infelizmente, chegará, mais dia, menos dia, a notícia de um acidente, de um massacre, de algo que irá fazer a nossa atenção finalmente, transferir-se para outra situação. O que me dá enorme “gastura” (como quem diz, enorme irritação), obviamente, não é o drama em si mas a cobertura que os média portugueses têm feito desta verdadeira tragédia. Honra lhes seja feita, eles conseguem encontrar temas onde já não há mais nada a dizer ou a fazer. Este aproveitar da desgraça alheia incomoda-me de um modo difícil de explicar. Nem irei falar do horror que vimos nas televisões durante o fim-de-semana. Quero acreditar que estar presente naquele verdadeiro palco de guerra retira o discernimento a qualquer um. Quero acreditar que, na ânsia de querer mostrar a dimensão do acontecimento se procurem as imagens mais chocantes, as que mais revelam sobre tudo o que se passou. Sobre o mau gosto de se fazer filmar junto a cadáveres (como no caso da Judite de Sousa) nem me vou pronunciar. É demasiado mau sequer para ser referido (nesse triste momento da jornalista apenas me alegra perceber que vários telespetadores apresentaram queixa sobre essa total falta de bom senso). Contudo, passado este primeiro momento de horror, em que a todos faltou o bom senso, questiono: haveria necessidade de continuar a mostrar certas imagens? Haveria necessidade de mostrar os corpos de animais calcinados, obrigando-nos a fazer a analogia com corpos humanos? Haverá necessidade de conhecer e expor o rosto das pessoas que faleceram? Essa exposição irá auxiliar os que sobreviveram a superar a dor? Haverá necessidade de continuar a procurar atores para ilustrar toda esta tragédia? A minha única explicação é que estes jornalistas procuram, em vez de nos oferecer verdadeiras notícias úteis, oferecer-nos, ao jantar, verdadeiras novelas. Tudo começa quando nos são apresentadas as personagens. Procura-se aquele que tenha perdido família, a casa, de preferência, tudo. Coloca-se o/ a senhor/ senhora, que ainda não tem uma noção clara de tudo o que aconteceu, em frente a uma câmara (de filmar ou fotográfica, tanto dá). E explora-se a desgraça alheia. Hoje vi o seguinte título “Perdeu o ouro e o vestido de noiva!” juntamente com a foto de uma pobre senhora que, provavelmente, ainda não caiu em si, com toda esta desgraça. Certo, era no “Observador”. Vale o que vale. Mas, ainda assim, será normal este explorar da miséria? Assumo que abri o artigo. Queria ver onde chegaria a informação. E aí pude ler que ardeu um vestido de noiva, que se guardava numa mala, assim como a cadeira de rodas do filho, que falecera há 6 anos (pormenores que sim, puxam ao sentimento. Seriam eles necessários? Não…) Ao voltar a sua casa, depois de extinto o fogo (uma casa que escapou ao incêndio) descobriu que lhe tinham roubado uma caixa com todas as suas peças de ouro. Esta exploração do sofrimento da “personagem” com vista a provocar a empatia no espetador é totalmente característico das novelas. Procuram a emoção e a comoção do espetador. De notícia, apenas teremos o facto de existirem amigos do alheio mal formados que se aproveitam da desgraça alheia! Todo o resto é folclore de mau gosto.
 Como é óbvio, as novelas, cedo ou tarde, acabam bem. E nós queremos acreditar nisso. E por isso ajudamos da forma que estamos a ajudar. Queremos dar um final feliz a esta novela por demais dramática. Não vou criticar toda a ajuda que tem existido. Não o poderia fazer. Estamos a mostrar que quando nos unimos por uma causa, não movemos uma montanha porque não nos lembrámos disso. Vejo as pessoas preocupadas com o outro, com os animais, com a tentativa de minimizar este horror. Vejo que, pela primeira vez, todos os canais públicos televisivos se uniram por uma causa. Vejo os artistas, que tanta importância têm no publicitar da necessidade de ajudar, a dar a cara por esta causa. Não é o final feliz da novela mas é uma espécie de final de temporada. Nada está terminado, muito fica em aberto, mas há um concluir de alguns aspetos. Incêndio terminado, prejuízos em avaliação… O que há a esperar da nova série? Aquilo que já se tem prenunciado. Como disse uma amiga minha de Castanheira de Pera, agora é preciso é “arregaçar as mangas”. Tentar apagar os vestígios da tragédia. A reconstrução das casas, a reconstrução das famílias, tanto quanto possível. A paisagem, essa, levará mais umas “quantas séries” para se renovar, para voltar à sua beleza original.

No fundo, o que é preciso é dar vida ao verbo “esperançar” – esperar que a partir desta tragédia venha o melhor: melhor ordenamento da floresta, maiores cuidados na plantação de árvores (o que se planta, como se planta). Esperar que, por difícil que seja, as vítimas se consigam reerguer deste horror vivido. Tudo isto só será possível de adquirir com a esperança, tão característica dos portugueses. O que podemos fazer hoje? Esperançar. Esperançar num futuro menos negro. Esperançar que a nossa classe jornalística se torne menos sensacionalista, mais verdadeira. O que nos resta neste momento é apenas isto: esperançar que venha algo de bom. Apenas…esperançar.

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