terça-feira, 9 de janeiro de 2018


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A verdade acima de tudo? Não!
Desde bem pequena que me lembro de ouvir, como conselhos dos meus pais, que deveria ser sempre sincera e nunca faltar à verdade. Um dos primeiros princípios que me foi incutido é que “mentir é feio”. E sim, cresci a colocar esses preceitos em prática. Dotada de uma natureza naturalmente faladora e espontânea, dizia praticamente tudo o que me passava pela cabeça, agradasse ou não a quem ouvia e seguia em frente, como um arauto da verdade. Assumo que me tornei numa pessoa que descreveria, na época, como sincera a qualquer custo, demasiado frontal, não me preocupando em analisar se a “minha” verdade podia trazer alguma vantagem a quem a ouvia ou, pior ainda, se a “minha” verdade poderia magoar a pessoa que a ouvia. Para mim, o valor da verdade era o valor máximo e ele sobrepunha-se a todos os outros.
Com o passar do tempo comecei a questionar este valor da “verdade acima de tudo”. Seria essa a forma mais correta de agir com o outro? A seu tempo percebi que não. Com a passagem do tempo aprendi a comportar-me de outra forma, isto é, a agir de uma forma menos verdadeira. Dito assim até soa mal mas o próprio Oscar Wilde dizia que um pouco de sinceridade podia ser perigoso mas que a sinceridade em demasia era absolutamente fatal. E pode, de facto, ser fatal, para quem a diz e para quem a ouve e, sobretudo, para a relação que se estabelece entre essas duas pessoas. Aprendi que a verdade é, obviamente, algo a que todos aspiramos mas que nem sempre é fácil ouvi-la. E aprendi, também, que nem sempre a verdade, ou pelo menos toda a verdade, é necessária e positiva. Passo a explicar: dizer tudo de todas as maneiras, como dizia o poeta, pode ser nocivo para nós e para aqueles de quem gostamos. Considero que é uma forma de cometer “sincericídio” (termo interessante que encontrei, aqui há tempos, num artigo sobre este tema) e segundo o qual ao colocarmos a verdade acima de qualquer valor poderemos estar a magoar-nos a nós e aos outros, sem que existisse essa necessidade à partida.
Desengane-se quem já está a pensar que sou pela mentira. Claro que não. Como poderia ser? Apenas defendo que em certos momentos e em certas situações, mais vale calar certos aspetos, mais vale omitir pormenores ou mais vale tingir a verdade com cores menos fortes e duras. Ser direto no que se diz, sem floreados, dizer tudo o que se sabe sem olhar aos males que isso possa provocar não é característica de pessoas que colocam a verdade acima de tudo, que prezam a verdade como o maior bem mas sim característica de pessoas que têm grande dificuldade em serem empáticas e de se colocarem no lugar do outro.
E que situações são essas em que considero que se pode ser “menos” verdadeiro? Acima de tudo, quando a pessoa não está preparada para ouvir a verdade que temos para contar. Por vezes, a realidade está tão absurdamente longe daquilo que a pessoa perceciona que ouvir a verdade, em toda a sua crueldade, poderia causar um mal-estar tão grande que seria difícil recuperar dele. Alguém efetivamente empático irá preparando, aos poucos, o caminho para essa verdade, preparando a pessoa para ter a força suficiente para a verdade que mais tarde chegará. Tal facto levará à segunda situação em que considero ser aceitável não ser totalmente verdadeiro. Como anteriormente disse, há que escolher o momento certo para divulgar informação que se possa ter. Em certas situações, será melhor calar o que se sabe e esperar pelo momento certo (ou que julgamos certo) para dar conhecimento daquilo que sabemos. Dizer uma verdade no meio de uma discussão apenas servirá para abrir uma ferida que dificilmente será curável, por exemplo. Dizer uma verdade dura a uma pessoa que já se encontra fragilizada será, de facto necessário? Penso que apenas será uma forma de magoar ainda mais a pessoa sem ter a certeza que a mesma terá força para assimilar mais essa informação. E essa pergunta leva-me a uma outra situação em que considero que se pode ser um pouco omisso: dizer toda a verdade será de alguma forma benéfico para a pessoa? Lembro sempre daqueles casos em que depois de um divórcio ou separação, cuja causa foi uma traição, e em nome da verdade, se informa a pessoa traída de determinados factos por nós conhecidos: “Ah pois! Eu já o/ a tinha visto com outra pessoa. Vi-o em tal ocasião…” Será efetivamente necessária essa informação? Isso trará algum benefício para quem acabou de ouvir mais essa novidade? Penso que não. Considero informação desnecessária que podia ter sido omitida uma vez que naquela situação já não virá trazer qualquer alteração, não irá aportar nada de bom, trazendo, pelo contrário, mais uma mágoa a um coração já por si mutilado.
Assumo que aprendi a, por vezes, faltar um pouco à verdade. Sim, por vezes conto meias verdades ou conto “verdades matizadas” por cores mais simpáticas. Sim, por vezes tenho informação que não partilho com amigos porque penso que os danos que ela irá causar são bem maiores que qualquer benefício que essa informação pudesse trazer.

Percebi que dizer e ouvir a verdade não são atitudes prazerosas. E, como tal, temos tendência a evitá-las quando sabemos que elas poderão ser geradoras de conflito ou de mágoas e tristezas. Não defendo, como é óbvio, a mentira. Mas não defendo toda a verdade, a todo o custo. Penso que ficou claro que defendo é que se deve escolher o momento que julgamos certo para dizer toda a “nossa” verdade. Devemos escolher com cuidado as palavras que vamos usar e atuar de modo refletido. A verdade pode ser dura de ouvir. Mas com esse cuidado, com essa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro será, com certeza, melhor recebida e percecionada. Por isso reafirmo: Verdade acima de tudo? Não!

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