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A verdade acima de tudo? Não!
Desde
bem pequena que me lembro de ouvir, como conselhos dos meus pais, que deveria
ser sempre sincera e nunca faltar à verdade. Um dos primeiros princípios que me
foi incutido é que “mentir é feio”. E sim, cresci a colocar esses preceitos em
prática. Dotada de uma natureza naturalmente faladora e espontânea, dizia
praticamente tudo o que me passava pela cabeça, agradasse ou não a quem ouvia e
seguia em frente, como um arauto da verdade. Assumo que me tornei numa pessoa
que descreveria, na época, como sincera a qualquer custo, demasiado frontal,
não me preocupando em analisar se a “minha” verdade podia trazer alguma
vantagem a quem a ouvia ou, pior ainda, se a “minha” verdade poderia magoar a
pessoa que a ouvia. Para mim, o valor da verdade era o valor máximo e ele
sobrepunha-se a todos os outros.
Com
o passar do tempo comecei a questionar este valor da “verdade acima de tudo”.
Seria essa a forma mais correta de agir com o outro? A seu tempo percebi que
não. Com a passagem do tempo aprendi a comportar-me de outra forma, isto é, a
agir de uma forma menos verdadeira. Dito assim até soa mal mas o próprio Oscar
Wilde dizia que um pouco de sinceridade podia ser perigoso mas que a
sinceridade em demasia era absolutamente fatal. E pode, de facto, ser fatal,
para quem a diz e para quem a ouve e, sobretudo, para a relação que se
estabelece entre essas duas pessoas. Aprendi que a verdade é, obviamente, algo
a que todos aspiramos mas que nem sempre é fácil ouvi-la. E aprendi, também,
que nem sempre a verdade, ou pelo menos toda a verdade, é necessária e
positiva. Passo a explicar: dizer tudo de todas as maneiras, como dizia o
poeta, pode ser nocivo para nós e para aqueles de quem gostamos. Considero que
é uma forma de cometer “sincericídio” (termo interessante que encontrei, aqui
há tempos, num artigo sobre este tema) e segundo o qual ao colocarmos a verdade
acima de qualquer valor poderemos estar a magoar-nos a nós e aos outros, sem
que existisse essa necessidade à partida.
Desengane-se
quem já está a pensar que sou pela mentira. Claro que não. Como poderia ser?
Apenas defendo que em certos momentos e em certas situações, mais vale calar
certos aspetos, mais vale omitir pormenores ou mais vale tingir a verdade com
cores menos fortes e duras. Ser direto no que se diz, sem floreados, dizer tudo
o que se sabe sem olhar aos males que isso possa provocar não é característica
de pessoas que colocam a verdade acima de tudo, que prezam a verdade como o
maior bem mas sim característica de pessoas que têm grande dificuldade em serem
empáticas e de se colocarem no lugar do outro.
E
que situações são essas em que considero que se pode ser “menos” verdadeiro?
Acima de tudo, quando a pessoa não está preparada para ouvir a verdade que
temos para contar. Por vezes, a realidade está tão absurdamente longe daquilo
que a pessoa perceciona que ouvir a verdade, em toda a sua crueldade, poderia
causar um mal-estar tão grande que seria difícil recuperar dele. Alguém
efetivamente empático irá preparando, aos poucos, o caminho para essa verdade,
preparando a pessoa para ter a força suficiente para a verdade que mais tarde
chegará. Tal facto levará à segunda situação em que considero ser aceitável não
ser totalmente verdadeiro. Como anteriormente disse, há que escolher o momento
certo para divulgar informação que se possa ter. Em certas situações, será
melhor calar o que se sabe e esperar pelo momento certo (ou que julgamos certo)
para dar conhecimento daquilo que sabemos. Dizer uma verdade no meio de uma
discussão apenas servirá para abrir uma ferida que dificilmente será curável,
por exemplo. Dizer uma verdade dura a uma pessoa que já se encontra fragilizada
será, de facto necessário? Penso que apenas será uma forma de magoar ainda mais
a pessoa sem ter a certeza que a mesma terá força para assimilar mais essa
informação. E essa pergunta leva-me a uma outra situação em que considero que
se pode ser um pouco omisso: dizer toda a verdade será de alguma forma benéfico
para a pessoa? Lembro sempre daqueles casos em que depois de um divórcio ou
separação, cuja causa foi uma traição, e em nome da verdade, se informa a
pessoa traída de determinados factos por nós conhecidos: “Ah pois! Eu já o/ a
tinha visto com outra pessoa. Vi-o em tal ocasião…” Será efetivamente
necessária essa informação? Isso trará algum benefício para quem acabou de
ouvir mais essa novidade? Penso que não. Considero informação desnecessária que
podia ter sido omitida uma vez que naquela situação já não virá trazer qualquer
alteração, não irá aportar nada de bom, trazendo, pelo contrário, mais uma
mágoa a um coração já por si mutilado.
Assumo
que aprendi a, por vezes, faltar um pouco à verdade. Sim, por vezes conto meias
verdades ou conto “verdades matizadas” por cores mais simpáticas. Sim, por
vezes tenho informação que não partilho com amigos porque penso que os danos
que ela irá causar são bem maiores que qualquer benefício que essa informação
pudesse trazer.
Percebi
que dizer e ouvir a verdade não são atitudes prazerosas. E, como tal, temos
tendência a evitá-las quando sabemos que elas poderão ser geradoras de conflito
ou de mágoas e tristezas. Não defendo, como é óbvio, a mentira. Mas não defendo
toda a verdade, a todo o custo. Penso que ficou claro que defendo é que se deve
escolher o momento que julgamos certo para dizer toda a “nossa” verdade.
Devemos escolher com cuidado as palavras que vamos usar e atuar de modo
refletido. A verdade pode ser dura de ouvir. Mas com esse cuidado, com essa
capacidade de nos colocarmos no lugar do outro será, com certeza, melhor
recebida e percecionada. Por isso reafirmo: Verdade acima de tudo? Não!
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