Sacrificar-se em prol de uma relação…
benéfico ou perigoso?
Penso que todas
nós, mulheres, ouvimos, uma ou outra vez na vida, provavelmente das nossas mães
ou das nossas avós, que o amor exige sacrifícios. Os livros que lemos, os
filmes que vemos, todas as narrativas pelas quais passamos, também difundem, de
um modo geral, a ideia de que as relações exigem sacrifícios. E não me passaria
pela cabeça negar esse conhecimento milenar. Para um relacionamento correr bem,
seja ele amoroso ou apenas de amizade, há que aprender a fazer cedências, há
que procurar esquecer que existe um “eu” e um “tu” e procurar pensar em termos
de “nós”. No fundo, há que sacrificar um pouco do “eu”, para se criar algo novo
e maior que será o “nós”. E nada disto estaria errado, quanto a mim, se, por
vezes, não levássemos tão a peito essas palavras e passássemos a encarar o
viver, o amar e o gostar como uma longa viagem em que nos anulamos (a nós, aos
nossos desejos e vontades) em função de um “tu” que não sacrifica nenhum pedaço
de si próprio.
O facto é que
nem sempre a culpa está do lado daquele que não realizou grandes sacrifícios,
não abandonou grande parte das suas características em função de um “nós”. A verdade
é que existem pessoas que vivem, ou sobrevivem, pautando as relações que
desenvolvem por este modo de estar que é o de sacrificar-se pelos outros. O seu
lema de vida é abdicar de si mesmo para fazer os outros felizes. Ora, tal forma
de agir nunca poderá ter resultados positivos em qualquer tipo de relação
(amor, amizade ou até profissional).
A primeira ideia
que nos surge é que estes indivíduos com tendência ao sacrifício são demasiado
bons para viver neste tipo de sociedade. Contudo, penso que não será bem assim.
Pelo contrário, penso que são pessoas cuja companhia, a médio e longo prazo, se
tornará pesada, difícil de suportar, criando uma relação nefasta que suga a
energia. Vejamos:
Muitas dessas
pessoas sacrificam os seus pensamentos, os seus ideais, a sua forma de ver e
pensar a vida com o único intuito de evitar conflitos e discussões (isso
poderia ser positivo, certo?) Porém, sabemos de antemão que, por um lado, a
discussão é inevitável e que mais cedo ou mais tarde ela chegará (e quanto mais
adiada, maior serão as proporções da mesma); por outro lado, sabemos que é da
discussão que vem a luz. O facto de não partilhar as mesmas ideias, de as
contrapor, leva ao surgimento de uma nova luz sobre o assunto que era debatido.
Grande parte das vezes, um consenso é atingido perante este debate e esta
argumentação. O facto de nada ser discutido leva a que numa relação onde
deveriam existir dois seres pensantes, apenas exista um. E isso em nada é
benéfico.
Por vezes o
sacrifício surge com o intuito de ajudar o outro a atingir as suas próprias
metas e os seus próprios objetivos. Gosta-se tanto do outro que quere-se a todo
o preço que ele seja feliz, ajudando-o na prossecução dos seus sonhos. Quantas
vezes assistimos a isso num casal? O problema, neste caso, é que as pessoas com
tendência ao sacrifício esquecem-se e anulam-se a si próprias, olvidam-se das
suas próprias vontades em prol de um outro que persegue os seus sonhos.
Pergunto eu: um ser que anula as suas próprias vontades, anulando-se a si
próprio, simultaneamente, será uma pessoa interessante? Penso que não. A mim
parece-me mais uma marionete que tenta dançar ao som de uma música que não lhe
agrada particularmente mas que é aceite, apenas porque o outro a escolheu.
Por fim, verifico
que essa tendência para o sacrifício vem muitas vezes acompanhada de
exigências. As pessoas sacrificam-se esperando que do outro lado o outro faça o
mesmo. No fundo esperam algum tipo de compensação pelo sacrifício. Encaram as
relações como transações em que dão muito para receber muito também. É claro
que a maior parte das vezes não recebem na medida do que dão, não recebem à
medida do sacrifício que fizeram, e por isso sentem-se frustradas. E aí chegam
as acusações: “dei-te tanto e não recebi nada”, “eu dei-te tanto, não merecia
isso”.
Como referi, é
possível encontrar esse tipo de relação não apenas em relações amorosas mas em
quase todo o tipo de interações sociais. Quantas vezes vemos, num casal, um dos
membros se esquece totalmente de si em função do ser amado? Quantos
trabalhadores querem tanto o sucesso da empresa que se esquecem deles próprios
enquanto seres humanos e com família? Quantos pais querem tanto a felicidade
dos filhos que se esquecem que também eles são humanos, que também eles têm
objetivos a atingir e também eles têm sonhos que querem realizar? E poderia
continuar a citar exemplos…
As razões para
este tipo de sacrifício podem ser muitas: um momento da vida em que se sentem
mais esgotados, uma autoestima mais reduzida, um relacionamento com uma pessoa
demasiado exigente e pouco dada a sacrifícios, … O certo é que o resultado
será, mais cedo ou mais tarde, sempre o mesmo: Pessoas cansadas, profundamente
esgotadas, na medida em que dão muito e recebem muito pouco. Chega o momento em
que se percebe que aquela relação baseada nos sacrifícios de apenas uma pessoa
está em risco porque traz pouco de positivo para ambos. É uma relação difícil e
esgotante tanto para quem se sacrifica como para o outro. E aí impõe-se a
questão: de quem é a culpa? A culpa é daquele “tu” que não sacrificou nenhum
pedaço de si próprio ou daquele “eu” que decidiu apagar-se, diminuir-se, em
função de uma relação pouco proveitosa?
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