http://p3.publico.pt/actualidade/educacao/25009/somos-todos-professores-miseraveis
(Em jeito de resposta à intervenção do Rodrigo Moita de Deus no programa "O último apaga a luz"
Somos todos professores miseráveis
Assumo que fiquei maravilhada com o brilhantismo da
intervenção de Rodrigo Moita de Deus, no programa “O último apaga a luz” na
RTP3. Para contextualizar estas minhas palavras, destaco, algumas das ideias
chave deste “grande senhor”. Segundo ele:
-a greve só prejudicou
as crianças. Estou totalmente de acordo consigo, senhor Moita de Deus. Onde
é que já se viu uma greve que prejudica alguém? Não basta os professores serem “prejudicados”
(em função de uma causa em que acreditam), perdendo um dia de salário? Se a
bendita greve tivesse sido organizada para uma 6ª feira, ou uma segunda-feira,
lá teríamos as vozes sábias, como a deste senhor, a dizer que apenas se
organizam greves para que os professores tenham direito a um fim-de-semana
prolongado. Aquela cambada de inúteis faz tudo para não trabalhar! Mas,
infelizmente para as vozes que já estavam prontas para atirar estas palavras
venenosas, a greve foi marcada para uma quarta-feira. Não podendo afirmar que
procuraram o fim-de-semana prolongado, atiraram para outro lado. “Tenham
vergonha, que estão a prejudicar as crianças!” Surge-me algumas dúvidas: o
direito à greve, consagrado na Constituição da República Portuguesa, foi
revogado e eu não percebi? Todos sabemos que uma greve irá sempre ter como
consequência pessoas prejudicadas. Acontece assim com os médicos, acontece
assim com os enfermeiros, acontece em qualquer setor de atividade. Mas será que
os professores por terem os alunos como público não podem fazer greve? Afirmações
destas parecem-me quase pueris.
Outra pérola que retive desta intervenção foi o que
consideraria quase como uma máxima a relembrar: os
resultados miseráveis dos alunos devem-se aos professores miseráveis que temos
em Portugal. Mais uma vez terei que concordar com este senhor. Somos
miseráveis em muitos aspetos. Miseráveis pela forma como somos tratados pelos
sucessivos ministérios, miseráveis por cada vez menos dignificarem aqueles que
se dedicam ao ensino, miseráveis por sermos obrigados a ser professores e
burocratas, atolados em papeis e papeis, miseráveis por muitas vezes sermos
obrigados a lidar com a violência por parte dos alunos, quando a mesma não
chega por parte dos próprios encarregados de educação. Já no que aos resultados
diz respeito…sublinho que colocar a culpa dos maus resultados apenas e só nos “professores
miseráveis” é uma visão de quem não está no sistema, de quem não percebe do que
está a falar e de quem apenas pretende pôr a culpa de tudo nos professores
(maus resultados, défice e quiçá a seca). Desresponsabilizar os alunos nestes
maus resultados é, mais uma vez, uma atitude pueril e pouco conhecedora.
Continuando na série de barbaridades que se conseguiu dizer
em tão pouco tempo, o senhor, que se afirma cansado de ouvir falar dos
professores, declara que se vê na obrigação de colocar os seus filhos no ensino
privado. E faz muito bem. Ouvi dizer que os professores que trabalham no ensino
privado (contra os quais nada tenho a referir, note-se) se formaram todos eles
nas universidades de Harvard e Cambridge. Deixando-me de ironias, questiono:
afinal em que universidades e/ ou escolas superiores de educação estudaram os
professores do ensino privado? Não estamos a falar da mesma formação base? O
que se passa depois da formação? A escola pública tem algum vírus que se propaga
entre os professores do ensino público? Acredito é que, na sua visão, eles são de
longe melhores profissionais que a corja que trabalha no ensino público uma vez
que os mesmos não fazem greves em dias de semana e não incomodam, perdão, não
prejudicam as crianças.
Ainda nessa intervenção se levanta a questão: afinal para
que serve todo o dinheiro investido na educação? De acordo com Moita de Deus,
para benefício dos professores, que nem estão nas aulas e por isso enviam os
alunos para as explicações. Pergunto eu, onde estamos nós se não estamos na sala
de aula? É que do trabalho que eu desenvolvo, nunca me foi retirada uma hora
que fosse do meu trabalho letivo para estar noutro local que não na sala de
aula. Pelo contrário, muitas vezes me foram acrescentadas horas supostamente
não letivas, com trabalho em sala de aula, desenvolvendo trabalho com alunos! Para
além disso, sim, trabalhamos muito fora da sala de aula. Muitas reuniões para
pôr em prática projetos, planos, atividades…um sem fim de reuniões para um sem
fim de assuntos…tudo em horário fora do que é considerado hora letiva, como é
óbvio!
Concluindo, o senhor R. Moita de Deus diz-se cansado das
discussões apenas e só sobre professores: se eles estão ou não contentes, se
estão satisfeitos com o rumo que a sua carreira está a levar, com o seu, digo
eu, egocentrismo. Não perceber que o mau estar generalizado que se sente na
classe dos professores é prejudicial a todos os agentes da educação, não
perceber que somos uma classe com um nível elevadíssimo de síndrome de burnout, não procurar as razões para
este nível elevadíssimo e limitar-se a declarar-se “cansado de ouvir falar dos
professores” demonstram que esta intervenção, para além de desnecessária, não
traz qualquer luz à discussão, limitando-se a um único objetivo: incendiar a
opinião pública.
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