quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A que sabe a tua infância?
Aqui há dias, tendo ficado hospedada em casa de um amigo, descobri à minha espera no quarto onde ia dormir dois rebuçados conhecidos como os Flocos de Neve. Imediatamente fui transportada para aqueles momentos em que, ainda criança, a minha avó me oferecia um punhado desses rebuçados que tão bem nos sabiam (e que continuam a ser do mais saboroso). Falando com outros amigos, percebi que essa memória dos Flocos de Neve, do seu sabor, da dádiva feita pelos avós, era uma memória comum a muitos de nós. E percebi ainda que, quando questionados sobre “a que sabiam”, ninguém possuía uma resposta clara sobre o seu sabor. De facto, a que raio sabem os “Flocos de Neve”? Para mim, apenas me surge uma resposta: sabem a infância e por isso gostamos tantos deles. Transportam-nos imediatamente para aqueles anos em que nos vestiam calças cuja cintura nos chegava quase às áxilas, ao tempo em que caçávamos grilos no campo e andávamos de bicicleta até ao pôr-do-sol, ao tempo em que assistíamos ao “Verão Azul” e ao Tom Sawyer, ao tempo em que sentávamos nos passeios de uma rua, à noite, em amenas “cavaqueiras” ou jogávamos ao esconde-esconde. No fundo, transporta-nos àquele tempo em que éramos infinitamente felizes e nem tínhamos noção disso.
No meu caso, não posso dizer que apenas os Flocos de Neve me transportam para um passado que a cada dia que passa se torna mais longínquo. Existe uma série de alimentos e guloseimas que ainda hoje aprecio e que me trazem aquela sensação reconfortante de encontrar um velho amigo e que nos dá um abraço apertadinho!
No que às guloseimas diz respeito, assumo que muitas das recordações são francesas. Sou uma apreciadora de gomas mas nada, até hoje, conseguiu superar as famosas (pelo menos em França são) Fraise Tagada. As sacanas sabem tão bem que é difícil nos ficarmos por duas ou três, apenas. Único defeito: serem quase impossíveis de encontrar em território nacional!
Ainda no capítulo guloseimas destacaria o belo do suspiro. Este, felizmente, encontramos em Portugal sem grandes dificuldades. Contudo, tenho bem claro que estes pedaços de céu me foram apresentados por uma tia-avó, enquanto vivia em França, que tinha sempre em casa um saco dessas pequenas maravilhas. E, sempre que os como, sinto que reencontro, do outro lado da estrada, aquela criança pequena maravilhada com o primeiro suspiro que comeu.
Outra das maravilhas da minha infância: uns aromatizadores concentrados que vinham numas latas para misturar com água! O de menta, principalmente, era de “beber e bradar por mais”! Qualquer “aguita” sabia melhor com esse fantástico elixir! Na categoria bolos como poderia eu não referir o “Pain d’épices”? Nunca entendi esse nome, uma vez que para mim se trata de um bolo de mel mas o que sei é que desde miúda adoro aquilo e ainda hoje, sempre que o encontro à venda, me delicio com ele.
E no campo de delícias da infância, como não falar da famosa Nutella? Sim, gosto e assumo que não como mais por saber que me poderá provocar uma borbulha ou duas para além da possibilidade de me engordar um quilo ou dois!! Nesse capítulo não poderei dizer que sou fã de uma marca que qualquer miúdo português adorava e venerava nos anos 80: o Tulicreme. Nunca apreciei e nunca aprendi a gostar dessa pasta estranha que tinha pretensões de um dia se tornar Nutella. Contudo, aprendi a gostar de uma verdadeira invenção portuguesa: o pão com manteiga e com cacau polvilhado por cima da manteiga. Meus amigos, é dos deuses. Comer algo assim é ser automaticamente transportada para aquelas tardes depois da escola (primária) em que o lanche contemplava essa enorme iguaria. Próximas dessa “invenção estranha” estão as fantásticas torradas feitas pela avó ao lume. Que bem que sabiam!! Quando eram feitas com pão caseiro então (amassado pela avó e cozido em forno de lenha) tornavam-se dignas de um pequeno-almoço ou de um lanche mas facilmente poderiam passar à categoria de jantar, uma vez que nos sentíamos imensamente saciados com apenas uma torrada. Nada sabe tão bem quanto uma torrada feita em cima de brasas, degustada no inverno, junto à lareira. Não aprecio o inverno mas esta é uma das memórias que me fazem ansiar por dias mais frescos. No capítulo, alimentos confecionados pela avó teria de referir as batatas fritas em azeite! Que coisa tão diferente. Que luxo!! Há anos que não como mas que bem que sabiam! Pensar nelas é pensar na minha avó Antónia sentada à beira do lume a fritar as batatas, em azeite, num lume brando! E lá vem a pontada da saudade!...
E deixei para o fim uma das coisas que mais apreciava – tinha um primo que me acompanhava nesse gosto um tanto ou quanto estranho – que era o de comer às colheradas o leite em pó. Será que ainda existe esse leite em pó? Curiosamente, era um dos produtos que os emigrantes traziam para os seus familiares quando vinham de férias: leite em pó. Porquê? Não sei. Mas sei que uma das coisas que mais prazer me dava era uma colherada daquele leite em pó que quase me fazia tossir quando o colocava à boca. E, enquanto escrevo estas linhas, assumo que sinto o sabor aflorar à minha boca.
Estes são os sabores da minha infância de que tenho saudades. Uns nunca mais comi porque desapareceram do mapa, outros não como porque os nutricionistas os desaconselham. Alguns poucos (pain d’épices, Nutella) como de vez em quando. E outros ainda, como os Flocos de Neve, cruzam a nossa vida de um momento para o outro e transportam-nos para este mundo de memórias saborosas e aconchegantes de produtos e pessoas. A isto sabe a minha infância: a morangos Tagada, a pain d’épices, a suspiros, a torradas de lume, a batatas fritas no azeite, a leite em pó às colheradas. E a tua infância, a que sabe?

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