A que sabe a tua infância?
Aqui há dias, tendo ficado
hospedada em casa de um amigo, descobri à minha espera no quarto onde ia dormir
dois rebuçados conhecidos como os Flocos de Neve. Imediatamente fui
transportada para aqueles momentos em que, ainda criança, a minha avó me
oferecia um punhado desses rebuçados que tão bem nos sabiam (e que continuam a
ser do mais saboroso). Falando com outros amigos, percebi que essa memória dos
Flocos de Neve, do seu sabor, da dádiva feita pelos avós, era uma memória comum
a muitos de nós. E percebi ainda que, quando questionados sobre “a que sabiam”,
ninguém possuía uma resposta clara sobre o seu sabor. De facto, a que raio
sabem os “Flocos de Neve”? Para mim, apenas me surge uma resposta: sabem a
infância e por isso gostamos tantos deles. Transportam-nos imediatamente para
aqueles anos em que nos vestiam calças cuja cintura nos chegava quase às
áxilas, ao tempo em que caçávamos grilos no campo e andávamos de bicicleta até
ao pôr-do-sol, ao tempo em que assistíamos ao “Verão Azul” e ao Tom Sawyer, ao
tempo em que sentávamos nos passeios de uma rua, à noite, em amenas
“cavaqueiras” ou jogávamos ao esconde-esconde. No fundo, transporta-nos àquele
tempo em que éramos infinitamente felizes e nem tínhamos noção disso.
No meu caso, não posso dizer que
apenas os Flocos de Neve me transportam para um passado que a cada dia que
passa se torna mais longínquo. Existe uma série de alimentos e guloseimas que
ainda hoje aprecio e que me trazem aquela sensação reconfortante de encontrar
um velho amigo e que nos dá um abraço apertadinho!
No que às guloseimas diz
respeito, assumo que muitas das recordações são francesas. Sou uma apreciadora
de gomas mas nada, até hoje, conseguiu superar as famosas (pelo menos em França
são) Fraise Tagada. As sacanas sabem tão bem que é difícil nos ficarmos por
duas ou três, apenas. Único defeito: serem quase impossíveis de encontrar em
território nacional!
Ainda no capítulo guloseimas
destacaria o belo do suspiro. Este, felizmente, encontramos em Portugal sem
grandes dificuldades. Contudo, tenho bem claro que estes pedaços de céu me
foram apresentados por uma tia-avó, enquanto vivia em França, que tinha sempre
em casa um saco dessas pequenas maravilhas. E, sempre que os como, sinto que
reencontro, do outro lado da estrada, aquela criança pequena maravilhada com o
primeiro suspiro que comeu.
Outra das maravilhas da minha
infância: uns aromatizadores concentrados que vinham numas latas para misturar
com água! O de menta, principalmente, era de “beber e bradar por mais”!
Qualquer “aguita” sabia melhor com esse fantástico elixir! Na categoria bolos
como poderia eu não referir o “Pain d’épices”? Nunca entendi esse nome, uma vez
que para mim se trata de um bolo de mel mas o que sei é que desde miúda adoro
aquilo e ainda hoje, sempre que o encontro à venda, me delicio com ele.
E no campo de delícias da
infância, como não falar da famosa Nutella? Sim, gosto e assumo que não como
mais por saber que me poderá provocar uma borbulha ou duas para além da
possibilidade de me engordar um quilo ou dois!! Nesse capítulo não poderei
dizer que sou fã de uma marca que qualquer miúdo português adorava e venerava
nos anos 80: o Tulicreme. Nunca apreciei e nunca aprendi a gostar dessa pasta
estranha que tinha pretensões de um dia se tornar Nutella. Contudo, aprendi a
gostar de uma verdadeira invenção portuguesa: o pão com manteiga e com cacau
polvilhado por cima da manteiga. Meus amigos, é dos deuses. Comer algo assim é ser
automaticamente transportada para aquelas tardes depois da escola (primária) em
que o lanche contemplava essa enorme iguaria. Próximas dessa “invenção
estranha” estão as fantásticas torradas feitas pela avó ao lume. Que bem que
sabiam!! Quando eram feitas com pão caseiro então (amassado pela avó e cozido
em forno de lenha) tornavam-se dignas de um pequeno-almoço ou de um lanche mas
facilmente poderiam passar à categoria de jantar, uma vez que nos sentíamos
imensamente saciados com apenas uma torrada. Nada sabe tão bem quanto uma
torrada feita em cima de brasas, degustada no inverno, junto à lareira. Não
aprecio o inverno mas esta é uma das memórias que me fazem ansiar por dias mais
frescos. No capítulo, alimentos confecionados
pela avó teria de referir as batatas fritas em azeite! Que coisa tão diferente.
Que luxo!! Há anos que não como mas que bem que sabiam! Pensar nelas é pensar
na minha avó Antónia sentada à beira do lume a fritar as batatas, em azeite,
num lume brando! E lá vem a pontada da saudade!...
E deixei para o fim uma das
coisas que mais apreciava – tinha um primo que me acompanhava nesse gosto um
tanto ou quanto estranho – que era o de comer às colheradas o leite em pó. Será
que ainda existe esse leite em pó? Curiosamente, era um dos produtos que os
emigrantes traziam para os seus familiares quando vinham de férias: leite em
pó. Porquê? Não sei. Mas sei que uma das coisas que mais prazer me dava era uma
colherada daquele leite em pó que quase me fazia tossir quando o colocava à
boca. E, enquanto escrevo estas linhas, assumo que sinto o sabor aflorar à minha
boca.
Estes são os sabores da minha
infância de que tenho saudades. Uns nunca mais comi porque desapareceram do
mapa, outros não como porque os nutricionistas os desaconselham. Alguns poucos
(pain d’épices, Nutella) como de vez em quando. E outros ainda, como os Flocos
de Neve, cruzam a nossa vida de um momento para o outro e transportam-nos para
este mundo de memórias saborosas e aconchegantes de produtos e pessoas. A isto
sabe a minha infância: a morangos Tagada, a pain d’épices, a suspiros, a torradas
de lume, a batatas fritas no azeite, a leite em pó às colheradas. E a tua
infância, a que sabe?
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