sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Texto publicado em: http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24657/sim-continuo-solteira?page=/&pos=13&b=stories_b

Sim, continuo solteira!
“Sim, continuo solteira!” – esta será uma das frases que mais utilizei ao longo dos anos. Nos encontros de família, nos reencontros de amigos que não víamos há muito e até nas conversas com pessoas que conheci há pouco tempo. Inevitavelmente, no decorrer destes momentos sociais vinha a mesma pergunta mascarada de formas diferentes. Desde a forma mais direta: “então, ainda não casaste?”, à forma mais discreta “então ainda não arranjaste tempo para uma pessoa nessa tua vida ocupada?”, à forma mais galante (e ligeiramente patética) “como é que uma miúda como tu continua sozinha?” E é verdade, contra tudo e contra todos, continuo solteira. Porquê? Vejamos…
Analisando a situação: A primeira ideia que ocorre na mente das pessoas é que, se já és uma mulher feita (digamos, se passaste dos 30…e eu já passei há mais de uma década) só podes interpretar na sociedade um de dois papéis: ou és uma “tia solteirona” que não sai de casa, que vive a sua vida através das histórias de amor a que assiste na televisão, que tem um gato com quem conversa e que continua a sonhar com o amor da sua vida enquanto, noite atrás de noite, fica em casa com o seu chá quente e com os pés frios. Ou então, e se tiveres uma imagem, na tua forma de vestir e apresentar, que não se coadune com essa teoria da “tia solteirona”, serás a segunda opção: a louca que faz festa todos os dias, que não tem namorado porque não acredita no amor mas acredita, e bem, nos prazeres físicos, que adora comer e ainda mais beber e por isso tudo não é companhia aconselhável para as amigas casadas porque as poderá enlouquecer com os seus hábitos poucos recomendáveis! Quando muito, poderá ser companhia para as amigas divorciadas que, de algum modo, sofrem do mesmo estigma.
E é com estes rótulos que tens que viver apenas porque escolheste viver a tua vida de uma forma diferente daquela que é socialmente aceite. Não lhes passa pela cabeça que podes não ser nem uma coisa, nem outra. De facto, não sou a tia solteirona que fica em casa a ver as novelas. Mas também não sou a louca pintada na segunda opção. Apenas sou uma mulher que até ao momento decidiu não partilhar a sua vida com ninguém porque não encontrou ninguém com quem quisesse ou lhe fosse possível partilhar a sua vida. Serei assim tão diferente da maioria das pessoas? Ou apenas serei exigente demais? Assumo que, como já escrevi noutra crónica, acredito que existe uma alma gémea à nossa espera no mundo. Mas também referi que nem sempre a alma gémea vem no corpo ou nas circunstâncias certas. E só me faz sentido partilhar a minha vida com uma pessoa que eu considere que foi colocada no mundo para se encontrar comigo, uma pessoa com quem partilhe uma energia especial, uma pessoa que me faça pensar que serei mais feliz estando com ela do que estando sozinha, uma pessoa que terá aparecido nas circunstâncias certas. No fundo, só me faz sentido partilhar a minha vida com aquela que identificaria como a minha alma gémea.
Não irei negar que pensei muito sobre o facto de ver passar os anos e sobre o facto de não encontrar uma pessoa com quem quisesse ou pudesse partilhar o meu mundo. Pensei sobre a questão do casamento, do viver junto, da urgência que a sociedade impõe em resolver essas questões a partir dos 25/ 30 anos. E, para falar verdade, passei, também, a procurar conhecer-me e analisar-me, procurando compreender-me e perceber por que raio não seguia o caminho socialmente aceite.
Foi aí que percebi que desde pequenos nos vendem a ideia de que a felicidade só vem a dois, em casal e, de preferência, com filhos. Compreendi que estamos habituados a viver no barulho e na confusão. Compreendi que “ser sozinho” é, por isto, visto de modo negativo. Compreendi que o silêncio assusta. Compreendi que criaram em nós a ideia de que precisamos estar sempre acompanhados. Mais! Criaram em nós a ideia de que não somos completos a não ser quando temos ao nosso lado um “mais que tudo”. Por isso, quando segues um caminho diferente desse socialmente aceite, tens de ser rotulada. Ou és uma perigosa amante das festas e dos prazeres mundanos ou és uma triste tia relegada ao conforto do sofá. De qualquer maneira, não podes ser feliz. Porque a fórmula da felicidade está no casamento e nos filhos.
Nada mais errado, digo eu. Com o tempo percebi que só se encontra a paz e a harmonia, o silêncio, dentro de si próprio. Percebi que não se pode ter medo de estar sozinho. Estar com outra pessoa tem de ser uma escolha e não uma necessidade. Só assim poderemos ser uma boa companhia para o outro. Só assim poderemos dar o tempo que for necessário para encontrar a pessoa que se julga ser a certa…ou não a encontrar de todo e ainda assim, ser feliz e completa.

Concluindo, só depois de gostarmos da nossa própria companhia é que “outro alguém” poderá, também ele, apreciá-la. Gosto da minha companhia. Gosto de estar no meu silêncio, como gosto de do barulho por estar com amigos, em família, ou numa qualquer festa ou celebração. Continuo a acreditar em almas gémeas. Continuo a acreditar no amor. E sei que apenas deixarei de ser solteira porque encontrei alguém com quem sinto vontade de partilhar os meus silêncios…e não porque a sociedade assim me impôs…

segunda-feira, 18 de setembro de 2017


Texto publicado em: http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24590/attraversiamo#.WcAAtYhz3EM.facebook


Attraversiamo?
Aqui há dias estive a rever, pela enésima vez, o filme “Comer, orar, amar”. É um filmezinho ligeiro, simpático. Assumo que me agrada a coragem da personagem principal de lançar toda uma vida ao ar: um casamento, uma profissão, uma estabilidade e ir correr mundo. A escritora e jornalista decide largar o sonho-americano que ela vivia (o casamento, a casa, o carro…apenas faltavam os filhos) e ir em busca de si própria e de uma felicidade que ela sentia não estar ao seu alcance naquele tipo de vida que ela levava. E, claro, agrada-me que essa “loucura” lhe tenha trazido frutos tão agradáveis: um novo amor, que pelos vistos se mantém até aos dias de hoje e uma nova forma de apreciar a vida baseada no seu autoconhecimento. Por isso, sempre que o filme passa por um desses canais que são pagos e que nos apresentam, constantemente, a mesma programação, não perco oportunidade de o rever.
É nesse filme, aquando da visita a Itália da personagem principal, que surge a palavra “Attraversiamo”. Desde a primeira visualização do filme que passou a ser uma das minhas expressões favoritas. Primeiro, porque gosto muito de italiano (acho que tudo soa mais bonito, interessante e romântico nessa língua). Segundo, porque gosto imenso do seu significado. Attraversiamo significa, literalmente, “vamos atravessar”. O que a expressão pretende traduzir é que temos que arriscar, sem medos, permitindo que o mundo seja, para nós, uma eterna novidade. No fundo este attraversiamo procura inspirar-nos para sair da nossa zona de conforto, sem receios, porque é fora dessa zona de conforto que a vida acontece.
Quando falo em zona de conforto falo naquelas vidas seguras, aconchegantes, vidas compostas, principalmente, por rotinas. Rotinas instaladas nas nossas vidas que fazem com que os dias tenham sempre a mesma cadência, sem surpresas (boas ou más), sem situações inesperadas que nos obriguem a pensarem ou a questionar a razão de ser e estar. São vidas que são vividas numa espécie de bolha, protegidas de tudo. E, até determinado momento, essas vidas rotineiras podem ser sentidas quase como prazerosas. Tudo está no lugar certo, aos dias sucedem-se as noites, as estações seguem o seu ritmo normal, não existem momentos que causem ansiedade ou medo. A pessoa vive no seu “casulinho” bem aconchegada sem necessidade de pensar ou de tomar decisões.
Contudo, e na minha forma de ver as coisas, viver assim mais não é do que viver de uma forma vegetativa. Viver numa zona de conforto sem tentar sair dela é como tentar viver assistindo, impávido e sereno, à passagem dos dias, sem nada que faça bater mais forte o nosso coração. Sem ansiedades e medos, é verdade, mas num comodismo estéril que nada traz de novo à nossa vida. Usando uma imagem, seria como uma árvore que se nega a crescer. E a vida traduz-se em nascer, crescer e morrer. Se não crescermos, crescimento esse que surge da saída da nossa zona de conforto, apenas estaremos mortos em vida. Uma vida sem momentos que nos tirem o fôlego, sem sensações provenientes de ter cumprido uma tarefa que nos desafiava, sem sentir que atingimos a plenitude. Não seremos mais do que vegetais. Uma vida sem altos e baixos, apenas uma longa linha contínua.
A verdade é que não é fácil sair da sua zona de conforto. Sentimo-nos aconchegados pelas rotinas. Elas oferecem-nos uma certa sensação de segurança que é reconfortante. Contudo, chega o momento em que percebemos que elas nos fazem sentir parados no tempo e vazios. Sentimos que precisamos de momentos estimulantes, momentos que nos façam sentir vivos e, sobretudo, momentos que façam sentir que estar vivo vale a pena.
A minha vida cedo me obrigou a sair do meu casulo quentinho (leia-se, casa e família). O primeiro grande embate foi a saída para Coimbra, para estudar. Aí senti que estava a saltar sem o apoio da rede lá em baixo. Assumo que tive momentos em que me senti perdida, pouco segura e com vontade de voltar à rotineira cidade-lar. Mas não voltei. E a experiência foi fantástica e não a trocaria por nada!

A minha vida profissional, essa, nunca deixou que a rotina se instalasse: fosse pelas muitas cidades em que trabalhei, fosse pelas várias funções que desempenhei: desde a professora de português, à professora que trabalhava com públicos especiais (cegos), à formadora dos mais variados temas e disciplinas, à que trabalhou com adultos, à formadora com públicos apelidados de problemáticos (grupos vários de etnia cigana), à professora de educação especial …A verdade é que até hoje a rotina nunca se instalou. E apenas posso dizer que esta constante saída da zona de conforto apenas me tornou mais rica. Tornei-me mais segura das minhas capacidades: os desafios não me assustam e, como tal, tornei-me mais confiante em mim mesma, no meu conhecimento e na capacidade de o transmitir. Os desafios são vistos de um modo positivo uma vez que me estimulam e motivam. Penso que adquiri um maior nível de tolerância e me tornei mais flexível. Ao sair da bolha de segurança percebi que existem muitas opiniões e que o meu ponto de vista não é o único possível (como tinha tendência a pensar quando mais nova), nem o único que transmite a verdade. Aprendi a aceitar a divergência de opiniões. E, acima de tudo, percebi que faço por viver a vida da melhor forma, tentando tirar o maior partido das situações. Vivo o aqui e o agora porque esse é que é importante. Para mim o momento presente não é menor do que uma vida inteira e é nele que eu invisto, é nele que eu procuro ser feliz, é nele que eu me atrevo, pois é nesse atrevimento que surge a sensação de aventura e a sensação de estarmos num constante desafio à vida. E é isso que me faz sentir viva. Então…attraversiamo?


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Pés...Há quem ame...há quem  odeie!...

Eu adoro o verão. Primeiro porque adoro calor. Adoro andar na rua e sentir o sol a bater-me nas costas. Aquele calor sentido na pele é para lá de bom. Mas também adoro o verão porque é época de sol, de piscina e mar, época de usar pouca roupa, época de ter um bronze invejável – ok…isso é para os outros…eu fico ligeiramente bronzeada. É época de férias, de ter tempo para “gastar” com aquela família que não vês muitas vezes, aqueles amigos que estão sempre ocupados. É tempo de churrascos, de esplanadas, de caipirinhas e de mojitos. E é tempo, e como eu adoro isso, de usar chinelo, de usar sandália, de andar de “pézinho” livre. Não existe verdadeiramente verão enquanto não te sentires confortável com o pé de princesa praticamente descalço, num belo de um chinelo. E aí está mais uma razão para eu gostar do verão: as pessoas andam de chinelos e eu posso apreciar os pés que possam eventualmente interessar-me. Ok, sei que isso não fez muito sentido mas vou passar a explicar. Gosto de pés. Aprecio pés que sejam bonitos. Claro que para uma apreciadora de pés, só poderia abominar pés feios. E sim, assumo que quando começo a revelar algum interesse por um elemento do sexo masculino, e que o mesmo não usa chinelo, sinto algum frio no estômago quando se coloca a primeira oportunidade de ver aquela pessoa descalça. Se os pés forem feios? Gordos? Maltratados? Isso pode pôr em causa qualquer interesse que se estava a manifestar…há pormenores que estragam tudo, não é?
Para uma apreciadora de pés, as piscinas e as praias são locais adequados ao estudo da beleza, ou da falta dela, dos pés das várias pessoas que ali se encontram. E estava eu precisamente nesta atividade de contemplação de pés (neste caso, os meus próprios pés) quando comentei para as duas amigas que se encontravam comigo: “tinha uns pés tão bonitos…a idade tudo traz…já não são tão direitos…tão perfeitos…” Qual não foi o meu espanto quando, com um certo ar de desdém uma delas diz “Não existem pés bonitos! Pés são das partes mais horríveis que temos no corpo!” Afirmação essa que foi corroborada pela outra amiga que estava ali naquela tarde. Poderão imaginar a minha cara de espanto. Eu gosto de pés. São, sem dúvida, uma das minhas zonas erógenas. Gosto de ver pés bonitos, bem tratados e bem calçados. Como poderia haver no mundo duas pessoas que não gostassem de pés??? Perante essa estranha dúvida que se me impôs no espírito, comecei a questionar aqui e ali, como quem nada quer, no meio de uma conversa e outra, as pessoas sobre o tema em apreço. E eis o que descobri. Estamos perante uma das grandes questões que dividem a humanidade. Ninguém é imune aos pés. Há aqueles que, como eu, apreciam pés (desde que respondam a determinadas características). E depois há a outra parte da humanidade que, como as minhas amigas, odeiam pés, não olham para eles e, tenho cá para mim, evitam tocá-los. E não há volta a dar: pés ou se amam ou se odeiam.
Eu, como disse, gosto de pés. Gosto imenso que me façam uma boa massagem nos pés e gosto de pés bonitos. E aí coloco o pé feminino e o pé masculino. Não aprecio “pézorros”  e por “pézorro” quero falar daqueles pés que são grandes ou muito gordos, muito reboludos. Sabiam que as sapatarias expõem sempre o número mais pequeno do modelo do sapato na montra? É claro que perceberam que o pé de Cinderela (e eu ostento um orgulhoso 34) é bem mais bonito que uma base de tamanho 40!
Tanto o pé masculino como o feminino são considerados por mim bonitos quando são direitinhos, não ostentam joanetes, fininhos, por oposição aos gordos e reboludos (dizem que o pé fino se chama de pé seco) e, de preferência, com uns dedos direitinhos. É claro que isto será, digamos, a matéria prima. Nem todos foram abençoados com pés bonitos mas podem ajudar a torná-los mais aceitáveis. Um pé tratado, sem peles secas, amigo da pédicure será sempre, na pior das hipóteses, um pé aceitável. O problema é que muitas vezes as visitas à pédicure não são com tanta frequência quanto deveriam ser e assistimos a verdadeiros filmes de terror. Haverá pior imagem que estar numa sala de espera (aconteceu-me há pouco tempo) e ter ao nosso lado uma pessoa a abanar indolentemente a perna, oferecendo ao mundo a imagem do seu pé meio seco no calcanhar, adornado por umas unhas com o verniz já bastante escamado? O género fabuloso metade unha, metade verniz? É muito feio…nesse caso, pede-se o favor de calçar um ténis ou as benditas PAEZ para esconder esse “pézinho” feio, feio. Outro pormenor que odeio: a moda do verniz de gel veio colmatar esse grave problema da unha escamada e maltratada! Aquele verniz esconde tudo: desde a unha suja à unha amarela, tudo fica bonito com verniz de gel! O problema é quando aquilo começa a crescer…assistimos a verdadeiras unhacas, quais garras capaz de ferir alguém se o apanharem a jeito, com uma enorme extensão branca mostrando que a unha que já cresceu. Não e não! Isso devia dar multa!! E depois…depois há aqueles que, quando apresentados por alguém, lançam por terra qualquer possibilidade de relacionamento. Impossível manter sequer uma amizade (até porque o cérebro não se consegue focar em nada mais que não seja o facto de aquela pessoa ter uns pés horrendos)  que são aqueles pés a que dou o nome de “Pés Adamastor”. Aqueles pés que têm calcanhares muito secos. Tão secos que a pele é amarela, grossa, sempre com um aspeto sujo. Os dedos, muitas vezes, curvados, coroados por unhas que mais parecem cascos de tão grandes e maltratadas. Por vezes ostentam, orgulhosamente, uma micose ou outra. Verdadeiros Adamastores que assustam qualquer pessoa que passe por perto deles. Assumo, tenho o hábito de olhar para os pés (para as mãos também!). Por vezes, na praia, até tenho medo de ser pisada por uma destas coisas horripilantes que servem de base de sustentação a certas pessoas!
Por isso, volto à questão do verão. Até nisso o verão é amigo. Conhecemos uma pessoa e não levará muito tempo (se a pessoa não estiver de chinelos) até que possamos ver os pés da pessoa. Não haverá lugar a surpresas desagradáveis mais tarde. Convenhamos: haverá algo de mais terrível do que gostar de alguém e perceber, tarde demais, que essa pessoa tem pés Adamastores? Contudo, esses, com jeitinho, poderão ser tratados. Mas aquelas verdadeiras patas de urso que são os pés gordos, acompanhados, muitas vezes, por deditos gordos e tristes…convenhamos, temos de gostar muito de uma pessoa para o sex appeal não ficar altamente danificado quando finalmente lhe descobrimos os pés! Contudo, se há amor…apenas teremos que nos tentar habituar e aceitar que a natureza foi cruel com aquela pessoa no que aos pés diz respeito. Pedir-lhe, ainda assim, que não deixe aquele pé gordo se tornar num pé gordo Adamastor porque isso seria uma verdadeira visão do inferno.

E chegados a este ponto – isto se alguém tiver tido a coragem de ler esta crónica até ao fim – digo que tenho certeza que estarão a olhar fixamente para os vossos pés pensando “Humm…serão bonitos?” Por favor, não enviem fotografias em caso de dúvida!!! 

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

“Notas sobre um Quarteto e a Amizade”
“Sabem quem é que vocês as 3 me lembram?” A pergunta foi-nos colocada no decorrer de um agradável jantar e nós, por simpatia, ou porque esperávamos que qualquer uma das três respondesse, deixámos a pergunta a pairar um pouco no ar. Em seguida, uma das três respondeu, com um ligeiro tom de voz interrogativo:  “O Sexo e a Cidade?” O tom ligeiramente inquisitivo pretendia não dar a entender que tínhamos a certeza da resposta até porque já tínhamos ouvido muitas mais vezes esta comparação.
Ainda que nessa noite, e nessas férias, fôssemos apenas três, o grupo por inteiro, o denominado “Quarteto” é composto, como o próprio nome indica, por quatro elementos. E, efetivamente, não foi a primeira vez que essa comparação nos foi feita. Verdade seja dita até nós mesmas, os membros do “quarteto” nos reconhecemos nesta comparação. Não que nos identifiquemos completamente com as personagens. Penso que nenhuma de nós será tão extrovertida e sexualmente liberal como a divertida Samantha ou tão racional, chegando a ser meio cínica (sobretudo no que aos homens diz respeito) como a Miranda. Mas a verdade é que nos identificamos e reconhecemos em alguns momentos e características daquelas personagens e sobretudo, identificamo-nos na amizade sólida que une aquelas mulheres.
Tal como as personagens de “O Sexo e a Cidade” cultivamos uma amizade que já é bem longa. Três dos elementos conhecem-se desde a adolescência. Eu cheguei mais tarde, pela mão de um namorado da época, e apraz-me dizer que entre os despojos dessa relação já desaparecida ficou uma amizade que já conta mais de uma quinzena de anos. E, como se diz por aí, uma amizade que dure mais de 7 anos tem grandes probabilidades de se manter para toda a vida. Como tal, estou certa que este quarteto ainda fará por se reunir quando todas estiverem bem velhinhas, à volta de uma mesa para bebericar uma chávena de chá.
Tendo em conta os anos que já soma esta amizade, já passámos por vários estádios: solteiras, com pouco mais que amizades coloridas, com namorados, passou-se por vários casamentos e até por um divórcio. Em todas as situações os pretendentes foram altamente analisados. Afinal, só queremos o melhor para as amigas. Em todas as situações, mais cedo ou mais tarde, o grupo foi ouvido e inquirido sobre as situações que se apresentavam mais difíceis ou problemáticas. E esta é mais uma das características deste grupo de amigas. A reunião, semanal, mensal, ou sempre que possível (dependendo do ritmo de vida de cada uma) sempre existiu. Em frente a uma chávena de café, uma bebida preferida – que foi alterando ao longo dos tempos – desde o Favaios, ao gin, passando pelo mojito, ou um prato de comida num qualquer restaurante da moda ou que desejávamos conhecer, a conversa sempre aconteceu, relatando desde os acontecimentos mais pequenos, às tragédias maiores. É sobretudo nesta união que nos identificamos com a série “O Sexo e a Cidade”. Nesta aliança existente entre as quatro que permite que o problema de cada uma seja também um pouco o problema da outra assim como a felicidade de uma é parte da felicidade de outra. Sabemos por isso que podemos contar umas com as outras. Como diz Marguerite Yourcenar “Amizade é certeza”. E essa certeza mora em nós. É claro que não somos um grupo fechado e cada uma cultiva outras grandes amizades, pessoas que também fazem parte do nosso grupo de amigos, com as quais convivemos, rimos, divertimos e, por vezes, choramos. Isto é, outras amizades com quem partilhamos a nossa vida. Contudo, este quarteto tem história e por isso é diferente:
 Tem um passado construído de momentos hilariantes que levam à existência de uma enorme cumplicidade. Um passado construído por momentos que, se não fossem da vida real, seriam improváveis de acontecer (lembram-se daquela vez que entrámos atrasadíssimas no cinema? Aquela vez em que incomodámos uma fila inteira para sentar nas únicas 3 cadeiras que estavam livres naquela sala? Aquela vez que, afinal, estávamos enganadas na sala e voltámos a incomodar uma fila inteira para sair? Lembram-se qual era o filme? “O Sexo e a Cidade”, pois claro!) Que situação tão hilariante! O que gargalhamos! Penso que será essa característica que sempre nos definiu: uma extrema vontade de gargalhar e uma enorme cumplicidade.
Mantemos no presente um modo de estar que poderia definir, em bom português como: «se uma diz “mata”, a outra dirá “esfola” e uma terceira dirá “imediatamente”». E é essa cumplicidade que é maravilhosa. Temos um presente em que cada um dos elementos sabe que, por mais louca que a ideia seja, haverá sempre um membro que dirá “vamos lá”. A maior parte das vezes, todos os elementos estão de acordo quando se propõe uma brincadeira ligeiramente pintada de loucura: que seja fazer um vídeo a cantar com as nossas belas vozes no carro, que seja ir para a Serra gritar para afugentar o stress (apenas porque alguém se lembrou que é Dia do grito) debaixo de uma torrencial chuva ou que seja uma qualquer outra loucura que alguém se lembre no momento. Compreendemos que as coisas são mais divertidas quando realizadas em grupo (daí a nossa “fatiota” de Carnaval ser sempre pensada para as quatro) e que as coisas mais pesadas e difíceis também são mais leves quando partilhadas pelas quatro (daí os famosos jantares de “não colocadas”, por exemplo). Já passámos por muitos bons momentos e, claro, também por maus momentos. Em todos eles estivemos presentes e fomos um dos apoios da outra. E sempre que nos foi possível respondemos a tudo com uma gargalhada sonora porque percebemos que o queixume e a tristeza não nos levarão a lado nenhum.
Por isso, penso que não será descabido pensar que faremos parte do futuro umas das outras. Já existem filhos. Naturalmente, somos tias das crianças. Vimo-los nascer, vemo-los crescer e são tão do nosso sangue como se fossem mesmo do nosso sangue. Envelheceremos (esperemos) a fazer parte da vida umas das outras. Assumo que imagino que seremos umas “velhas gaiteiras” sempre prontas para um passeio, um baile e uma gargalhada!
Somos um quarteto. Quatro mulheres. Não somos iguais. Cada uma tem o seu feitio especial (especialíssimo, até!) Somos uma mistura de personalidades, com vidas, neste momento, bem diferentes. Cada uma seguiu um caminho que trilhou sozinha apesar de ter por perto a companhia das outras. Algumas vezes até chocamos. Contudo, no fim de tudo, há sempre lugar a uma boa gargalhada que coloca tudo no seu lugar. As raízes da amizade que existem em nós têm sido mais fortes que estes choques frontais e continuamos por essa vida fora, a gargalhar sempre que possível (mesmo que por vezes a gargalhada sirva apenas para abafar a tristeza e a lágrima) e a tentar tirar o melhor partido da vida e desta amizade. Compreendemos, como diz a letra da canção, que “juntos, somos mais fortes”.

Mais do que uma vez fomos comparadas às quatro de “O Sexo e a Cidade”. E, de facto, as semelhanças com as quatro de Nova-York existem.  Constato-as na união e amizade que existe entre as 4 da Covilhã, na força e resiliência que cada uma tem apresentado ao longo da sua vida e na capacidade de, no fim de tudo, dar uma enorme gargalhada em desafio à própria vida.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017



http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/24498/nao-quero-esquecer-quem-sou

“Não quero esquecer quem sou”
Na minha habitual passagem matutina pelas redes sociais e pelos jornais e os seus suplementos, os meus olhos pararam numa pergunta que servia de título a um artigo que li mais tarde. A pergunta era “Que memória gostavas de guardar para sempre?” Percebi, depois de ler o artigo que se tratava do desafio lançado pela Associação Alzheimer de Portugal a todos os portugueses para realizarem um vídeo onde revelassem qual seria a memória que nunca quereriam esquecer, uma única memória que pretenderiam preservar até ao fim da vida. Dei por mim a pensar que o desafio era bem interessante e que, provavelmente iria aceitar o ter sido desafiada e faria o tal vídeo para partilhar. Foi aí que comecei a analisar as minhas memórias e a pensar em qual seria a memória mais importante para mim até aos dias de hoje, qual seria aquela que eu quereria manter até ao fim dos meus dias. Assumo que passaram por mim algumas imagens: a primeira vez que vi as minhas sobrinhas, aqueles momentos impagáveis em que dás uma gargalhada com a tua irmã ou aquele momento em que todas as coisas no mundo ficam no sítio certo por dares um abraço apertado às pessoas que mais gostas ou até o primeiro beijo dado a uma pessoa que consideras especial. Sinceramente, gostaria no fim da minha vida de me lembrar desses momentos que citei e de mais uns quantos em que considero que fui genuinamente feliz. Contudo…não penso que fosse capaz de escolher apenas um momento. Mas uma coisa tenho como certa: escolheria sempre um momento em que me senti muito amada, em que senti que fazia parte de uma família. Eu sei que isto é um nadinha clichê mas a verdade é que me incomoda o pensamento que um dia poderei esquecer o quanto fui e sou amada por aqueles que são importantes para mim. Até aos dias de hoje não existiram muitos casos próximos dos meus afetos que sofressem de Alzheimer (felizmente). Todos os meus avós (que já faleceram) sabiam quem eram e quem eu era na hora da morte deles. E quando penso nisso com mais afinco penso o quão importante e bom isso foi tanto para eles como para mim. A despedida, na hora do falecimento, foi dura mas a verdade é que não tive de me despedir de ninguém antes dessa hora fatídica. Considero que é isso que acontece com quem sofre de Alzheimer: vamos fazendo as despedidas, aos poucos, à medida que a doença vai roubando a memória de tudo o que é e foi, até ao dia em que apenas resta um corpo, sem as vivências e memórias que ligavam aquela pessoa à sua família. Contudo, possuo dois casos (um ainda vivo) e outro que infelizmente já faleceu, que sofreram dessa terrível doença. Curiosamente, ambas tias-avós. Relembro o quão triste era ver a minha tia-avó a não reconhecer o seu próprio reflexo no espelho. Olhava e dizia: “olha, a minha mãe”. A vida para ela tinha ficado lá longe, numa infância há muito perdida, em que ela ainda era uma criança que brincava com bonecas. Automaticamente, toda a sua vida ulterior foi esquecida: filhos, netos, marido, deixaram de existir. Passaram a não ser mais do que seres estranhos que insistiam em cuidar dela e que viviam perto dela sem que para isso ela encontrasse uma explicação (não que ela a procurasse). Ela apenas era uma criança, que brincava com bonecas, sempre que encontrava alguma boneca das suas netas e que apenas sobrevivia aos dias.
 No segundo caso, também um caso de uma mulher e de uma tia-avó minha, percebi que esta terrível doença lhe estava a roubar o ser, as memórias e as lembranças no dia em que a fui visitar ao lar onde atualmente reside e no momento em que ao ter chegado junto dela, os seus olhos não se iluminaram. Era uma tia-avó muito próxima. Uma outra avó, no que aos meus sentimentos diz respeito. E sei bem que para ela também eu era uma das meninas dos seus olhos. E por isso me foi tão difícil perceber que a luz, tão conhecida nos seus olhos, não se acendeu, quando cheguei. Na época ainda reconhecia o meu pai (o que, assumo, também me feriu. Como poderia ela reconhecer o meu pai e não me reconhecer a mim?? É claro que isto não passava de pergunta retórica para a qual não teria explicação). Pelo que, depois de cumprimentar o meu pai me colocou a pergunta que me fez perceber que naquele dia se iniciavam as despedidas: “Quem é a senhora?”A minha tia-avó que me tinha visto crescer, eu que sempre tinha sido uma das suas meninas, não era reconhecida naquele momento. Olhou para mim como a mulher feita que já era e questionou quem era a senhora. Já lá vão uns anos desde essa pergunta. A situação foi piorando e momentos houve em que me reconheceu e outros não. Neste momento, o esquecimento de quem fui e do que representei para ela é total. A minha tia apenas assiste, impávida, aos dias que passam, perdida nos seus próprios pensamentos, sem a lembrança de que um dia fui uma pessoa importante para ela. Aquela que sempre falou por mim e por todos nós não considera mais útil recordar momentos e partilhá-los…
 Quando hoje, logo pela manhã, me deparei com aquela questão: “Que memória gostavas de guardar para sempre?” pensei em tudo o que aqui escrevo e tenho certeza de que gostaria de guardar para sempre a memória de quem fui,  de quem sou e em quem me tornei. Gostaria, sobretudo, de ter a certeza de que não me esquecerei daqueles que me acompanharam durante a viagem. O vazio que se instalou na vida da minha tia será deveras angustiante. E partir sem as memórias que criaram ao conviver connosco é demasiado pesado para quem fica. E é isso: à questão “Que memória gostavas de guardar para sempre?” responderia: a memória de mim mesma.