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Aqui há tempos,
após a vitória do Salvador Sobral no Festival da Eurovisão, escrevi uma crónica
que intitulei de “O 5º Império”. Ainda inchada de orgulho por, finalmente,
termos ganho um festival no qual, a maior parte das vezes, saímos humilhados,
dei por mim a pensar que Portugal estava, de facto, a viver um momento bastante
positivo. Relembro que escrevi a crónica com o pensamento em Fernando Pessoa e
na sua ideia de que Portugal poderia ser o tal 5º império por ele idealizado. Pessoa
imaginava um 5º império que iria resgatar o país da decadência em que se
encontrava, transformando-o numa potência que reinaria sobre as outras. Mas
esta potência não reinaria sobre as outras em termos políticos e económicos mas
seria um império de fraternidade universal, cultura e língua portuguesas. E,
naquele momento, esta apologia do 5º império fez-me sentido. Finalmente
começava a ser reconhecida a nossa qualidade. A seleção portuguesa em que
poucos acreditavam, aquela que muitos vaticinavam regressar a Portugal ainda na
fase de grupos, sagrava-se campeã europeia. A nossa figura de proa, Cristiano
Ronaldo, era nomeada “o melhor do mundo”. A nível da literatura, relembrava que
o nome de Portugal tinha ficado no mapa aquando da entrega do prémio Nobel da
Literatura a José Saramago. Pensava que este poderia ser, finalmente, o ano do
reconhecimento da Academia do eterno candidato, António Lobo Antunes
(verificou-se, afinal, que ainda não foi este ano). Vencíamos “sem espinhas” um
festival cujo primeiro lugar sempre nos tinha escapado. O produto português era
considerado por muitos (e é de facto) como um produto de qualidade, fosse ele
na área do calçado, do vestuário, dos móveis ou em tantas outras áreas em que o
país se distingue pela qualidade que oferece.
A acrescentar a
esta minha ideia, verificava-se que Portugal estava a atravessar uma fase muito
positiva a nível turístico. Lisboa era apresentada como uma das cidades
europeias mais bonitas e uma das mais seguras. As nossas praias há já algum
tempo que eram reconhecidas pela sua qualidade e beleza. O país, de uma forma
geral, era reconhecido pelo seu bom clima, boa comida e a simpatia das suas
gentes. E, como cereja no topo do bolo e mais uma vez a corroborar esta minha
ideia que Portugal está na moda, eis que Portugal vence pela primeira vez os
“Óscares do Turismo”, os World Travel
Awards, como sendo o melhor destino europeu. Na linha deste pensamento
relembraria, ainda, as várias figuras famosas que escolheram Portugal para por
cá viver. Destacaria, entre as várias figuras, a Madonna que, apesar de nos
últimos tempos não parecer tão encantada com o país como se apresentava nas
primeiras estadias por cá, tem feito uma enorme publicidade ao país e às suas
maravilhas.
Perante todas os
factos acima identificados, assumo que o meu pensamento era que Portugal estava
de facto na moda e que a profecia de Pessoa se estava, finalmente, a
concretizar.
A primeira
facada neste meu pensamento encantado sobre Portugal e o 5º Império deu-se com
a tragédia de Pedrógão. Como era
possível num país como o nosso, parte integrante da Europa, minimamente
desenvolvido, conhecido pela sua beleza, acontecer uma tragédia destas? Era
inimaginável “acontecer Pedrógão”. Mas aconteceu! E para nos sentirmos mais
calmos perante essa calamidade, ouvimos que a tragédia tinha acontecido perante
situações muito especiais. O calor, um raio, o mau ordenamento do território,
falhas no sistema de comunicação. Quiseram dar-nos a entender, quiseram fazer-nos
acreditar que Pedrógão era um caso excecional, que as 64 (?) vítimas tinham
sido fruto de um somar de situações que não mais voltariam a acontecer. E nós,
povo português, quisemos acreditar. Quisemos mostrar a nossa solidariedade,
ajudámos com dinheiro, géneros e rezas…e quisemos seguir em frente, acreditando
que tinha sido uma fatalidade e que poderíamos falar disso, muitos anos depois,
com um ar pesaroso relembrando aquele fatídico dia de junho de 2017…
Tudo isto
aconteceu há quatro meses. Não é tempo suficiente para esquecer uma tragédia
nem é tempo suficiente para voltar a vivê-la. Contudo eis-nos mergulhados outra
vez, 4 meses depois, no mesmo pesadelo. Mais uma vez aconteceram incêndios
incontroláveis (523 no trágico domingo, 15 de outubro, pelo que nos informa a
comunicação social). Mais uma vez se morreu em larga escala no nosso país,
fruto desses incêndios incontroláveis. Em Pedrógão encontrámos uma estrada da
morte. E agora? Em Vouzela morreram pessoas nas suas próprias casas! Mais uma
vez assistimos a céus dignos de um cenário de inferno, assistimos a populações
completamente cercadas pelo fogo e que só puderam contar com elas próprias,
assistimos ao arder de lares, assistimos ao sofrimento em direto. Não
aprendemos nada com Pedrógão! Como podemos viver com essa informação, com essas
imagens, com essas mortes, com esse sofrimento?! Verifico que a tragédia está
sempre demasiado próxima de nós, e que ela permite que aconteça o inimaginável.
E foi esta a
segunda facada na minha miragem do 5º Império. Não sei quem são os culpados:
território mal ordenado, escassez de meios (continuamos com temperaturas
altíssimas mas, parece, que a fase crítica já passou), fogo posto…sei lá…Sei
que, ainda mal recompostos da tragédia de Pedrógão, ainda com as memórias
demasiado vivas na nossa memória, mais uma vez tivemos que lidar com estradas
cortadas, com hectares e hectares de zona verde ardida, com casas destruídas e
vidas destroçadas. E é neste momento que entendo que o 5º império sonhado por
Fernando Pessoa está ali ao alcance da nossa mão mas ainda não está nas nossas
mãos. Um longo caminho foi percorrido mas falta um outro tanto a ser palmilhado
para lá chegarmos. Num 5º Império este tipo de tragédia não poderia ser
imaginado quanto mais vivido. Como dizia Pessoa (ainda) “Falta cumprir-se Portugal”. Para mim, a miragem do 5º Império
desvaneceu-se perante esta tragédia deixando apenas o sabor a mortes inocentes
e a imagem dura e negra da realidade ardida.
15 de Outubro será sempre um dos dias mais negros da nossa história, para mim em particular será o dia em que os meus pais tiveram de fugir de casa sem poderem ir buscar os meus avós, o dia em que o papel de vizinhos se afirmou em toda a sua plenitude e a entre-ajuda entre todos foi fulcral no combate às chamas e na protecção das pessoas e bens. Que dia negro.
ResponderEliminarKelle, nestes momentos negros resta pensar que, pelo menos no seu caso, foi um susto enorme e que pode contar com a ajuda dos amigos e vizinhos! Força
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