Portugal e os animais: uma relação (ainda) complicada
Aqui há uns tempos, durante um
jantar de amigas, de entre vários momentos divertidos e hilariantes, tivemos
direito a um momento (mais um) que deu azo a muitas risadas mas que me fez
pensar que, efetivamente, existem enormes diferenças entre os vários países da
Europa. A amiga em questão, que vive na Suíça, narrava a sua odisseia para
conseguir aceder ao desejo da sua filha que mais não era do que comprar um peixe!
Contava como, ao chegar à primeira loja de animais se tinha dirigido à senhora
e tinha explicado que desejava comprar um peixe. Simpaticamente lhe foi
perguntado se já possuía aquário. Num primeiro momento a minha amiga achou a
pergunta ligeiramente despropositada. A quem passaria pela cabeça comprar um
peixe se não possuísse, desde já, um aquário? Contudo, quando respondeu que
sim, que possuía um aquário redondo para o peixe, foi-lhe comunicada a
impossibilidade de comprar o peixe uma vez que o apartamento que ela tinha para
a criatura (o aquário redondo) era demasiado exíguo. Não se dando por vencida,
seguiu para a segunda loja de animais. Explicou, outra vez, que pretendia
comprar um peixe e que já possuía um aquário de dimensões consideráveis para o
senhor se sentir bem recebido. Passada esta etapa, e na eminência de comprar o
bendito peixe, surge mais uma questão: há quanto tempo estava a água do aquário
em tratamento para receber o habitante? Uma vez que a resposta não foi a
correta, mais uma vez a minha amiga se viu impossibilitada de adquirir o
bendito peixe. Foi apenas na terceira loja quando explicou que queria comprar
um peixe, que possuía um belo aquário, com dimensões nobres para o receber e
que a água estava a ser tratada há, sensivelmente, 15 dias, é que ela conseguiu
aceder ao pedido da filha e oferecer-lhe um lindo peixe de aquário. Assumo que
adoro animais mas não sou fã de peixes. Não lhes faço mal, claro, mas são para
mim, basicamente, o mesmo que uma planta. Estão…existem… Contudo imagino que,
no caso dela, viveria apavorada com a possibilidade de o peixe morrer. Como
explicar que o animal principescamente tratado teria morrido?
Depois de ter dado umas valentes
gargalhadas com a história, dei por mim a pensar no quão diferentes são a Suíça
e Portugal, no que ao tratamento dos animais diz respeito. Assumo que tanta
preocupação me pareceu ligeiramente excessiva com um peixe. Mas…e o que se
passa em Portugal com os animais de estimação? Este ano demos um enorme passo
em frente quando, no primeiro dia do mês de maio deste ano civil, entrou em
vigor o novo estatuto jurídico dos animais. Perante este novo estatuto foi
reconhecido aos animais o serem seres vivos dotados de sensibilidade para além
de serem objeto de proteção jurídica. Ainda de acordo com a nova lei em vigor, ficaram os
cidadãos de Portugal a saber que quem agredir ou matar um animal ficará
obrigado a indemnizar o proprietário ou as pessoas que tenham procedido ao seu
socorro pelas despesas em que tenham incorrido para tratar o animal. É,
claramente, um passo em frente mas, tanto existe ainda para mudar nas
mentalidades portuguesas…
Estamos em pleno mês de agosto. Não conto pelos dedos
das mãos as fotografias que já me passaram pela frente de animais que foram
abandonados. Incrivelmente, continuam a ser abandonados animais pelas mais
variadas razões mas nas quais destaco algumas das explicações mais ouvidas:
“comprei-o tão pequenino mas agora cresceu tanto!”; “Não tenho tempo para
passeá-lo…ele exige imenso tempo e cuidados e eu não tenho esse tempo!”; “Vou
de férias e não tenho a quem deixar o animal”… E o certo é que o animal é
abandonado, deixado junto a uma estrada, numa serra, muitas vezes atado a uma
árvore para que, não só o pobre animal se veja abandonado, como as suas
próprias possibilidades de sobreviver sejam mínimas. Não deveriam estas pessoas
ter sido interrogadas sobre as condições de vida que poderiam dar àquele animal
antes de o adquirirem? Contudo, sabemos que poucos são os que são punidos por
esses abandonos…
Aqui há tempos ouvi na comunicação social o caso de
dois cães de grande porte que morreram por terem ficado fechados num carro, sob
temperaturas de mais de 30 graus, enquanto o dono se passeava por um centro
comercial. Várias pessoas viram os animais a agonizar no entanto e, pelos
vistos, ninguém tomou providências. Sim, sabemos que o dono chorou imenso
quando viu o resultado da sua inconsciência. Sim, sabemos que este senhor será
presente a tribunal. Mas…não fazendo futurologia não me parece que o castigo
deste senhor que condenou à morte dois cães vá muito além de uma multa. Será que
não será retirada a este senhor a possibilidade de ter mais animais? E as
pessoas todas que viram e negaram auxílio? Não deveriam também elas ser
chamadas à razão?
Penso ainda: não deveriam obrigar as pessoas que
adquirem um animal (espero eu que dado e não comprado) a assinar um termo de
responsabilidade?
A verdade é que ainda temos muito a crescer como
sociedade no que aos animais e aos seus cuidados diz respeito. Somos uma
sociedade que aceita “acidentes” como a morte daqueles dois cães com um certo
ar pesaroso, alguma indignação momentânea e nada mais. Somos uma sociedade que
tem conhecimento que todos os anos há imensos abandonos de animais de estimação
na época de férias mas que assobia para o lado e diz “o que pode ser feito para
alterar esta situação?” Somos uma sociedade que assiste ao crescimento
totalmente descontrolado de colónias de gatos e que pensa que nada pode ser
feito para o evitar. Somos uma sociedade que assiste ao uso abusivo de animais
(cãezinhos que passam horas com uma cesta na boca, onde serão colocadas umas
moedas, enquanto o “dono” canta ou toca umas miseráveis “musiquinhas”, por
exemplo) e que não se incomoda ou até bate palmas! Somos uma sociedade que
legitima as touradas, aceitando o sofrimento provocado num ser vivo apenas e só
para alegria do público. Por fim, somos uma sociedade que aceita, como algo
normal, assistir a números de circo onde se encontram integrados animais a
realizar tarefas que nada têm a ver com o seu modo de viver natural. Concluindo…somos
uma sociedade que ainda tem um longo caminho para trilhar no que ao tratamento
dos animais diz respeito.
Chegados a este ponto sinto, desde já, as vozes a
levantarem-se dizendo: somos é uma sociedade que trata mal os seus idosos! Que
os abandona em lares ou até em hospitais. Por que deverei preocupar-me com
animais quando há pessoas nesta situação? Ao que responderei: uma situação
negativa não legitima outra situação negativa. Como cidadãos conscientes, temos
obrigação de lutar contra esta forma de tratar a nossa população menos jovem, é
óbvio. Mas temos obrigação, também, de tentar mudar mentalidades, de perceber
que o animal é um ser vivo merecedor do melhor. Temos obrigação de fazer
cumprir a lei (que, entre outras coisas, criminaliza o abandono), exigindo que
seja colocado em prática o que, em boa parte, a lei já traçou.
No fundo, todos temos obrigação de contribuir para uma
sociedade mais justa sublinhando a obrigação moral que temos de respeitar todas
as criaturas vivas, demonstrando assim que podemos ser uma grande nação,
partindo da perspetiva de Mahatma Gandhi: “A grandeza de uma nação pode
ser julgada pelo modo como trata os seus animais”.
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